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Democracia? Quando me convém

Os exemplos abundam na América Latina, tanto à esquerda como à direita

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Juan Francisco Camino

Professor na Universidade dos Hemisférios, em Quito (Equador), e mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Nacionais (Equador) e em ciência política pela Universidade de Salamanca (Espanha).

Na América Latina, as exigências democráticas dependem de quem está no governo.

Carl Schmitt nos avisou há mais de meio século sobre essa forma de entender a política. Criar uma antítese, material ou imaginária, para justificar a luta feroz pelo poder e impedir que “o outro” vença e supere as “intenções únicas e sacrossantas” de um dos lados. O bom contra o mau, o império contra a aliança rebelde, os Vingadores contra Thanos.

De tempos em tempos, os lados apresentam o seu escolhido, um ungido pelas “estrelas” –ou um mito político– que com uma mão de ferro, voz de trombeta e grande eloquência envolve os cidadãos, oferecendo-lhes “a vitória final” sobre os inimigos, os antipatriotas ou os oligarcas.

A dicotomia amigo-inimigo

E se para isso “os bons” têm de contornar as instituições, não importa!

Não importa se envolve golpes de Estado, eliminar o Estado de direito, mudar as instituições do Estado pela força, atacar os princípios republicanos, fazer vista grossa aos ataques à separação de Poderes, ignorar o Poder Legislativo como contrapeso ou chamar ao debate democrático um “bloqueio” quando “os bons” não podem impor a sua agenda.

Os exemplos abundam na América Latina, tanto à esquerda como à direita.

Em El Salvador, a maioria legislativa de Nayib Bukele, o presidente mais popular da região, demitiu ilegalmente os membros do Supremo Tribunal de Justiça, assumindo o controle da câmara constitucional.

E meses mais tarde o Supremo Tribunal autorizou o presidente a buscar a reeleição apesar da sua inconstitucionalidade.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, em cerimônia em San Salvador
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, em cerimônia em San Salvador, capital do país - Secretara de Imprensa da Presidência - 15.set.2021/Reuters

No Equador, o ex-presidente Rafael Correa utilizou as consultas populares para legitimar as suas reivindicações, argumentando que o seu projeto político salvaria o país das “garras dos Pelucones” e permitiria à “grande pátria” alcançar a sua “segunda e definitiva independência”.

Paradoxalmente, o atual presidente, Guillermo Lasso, um opositor de Correa, anunciou a possibilidade de convocar um referendo para desbloquear o suposto “bloqueio” da Assembleia Nacional às suas propostas de reforma laboral e fiscal.

Mas para os seus seguidores isso não importa; o seu líder pode contornar as instituições, uma vez que ele pertence ao “lado dos bons”.

Institucionalidade? Essa é a primeira coisa que se exige do adversário. Mas, quando se trata do nosso, também não devemos abusar dela, para que não se torne um entrave ao “projeto do país”.

E, se se tornar um obstáculo, devem ser ignorada, modificada e, se necessário, eliminada. Aconteceu com Alberto Fujimori no golpe de Estado de 1992, no Peru, e com Correa em 2011. Álvaro Uribe tentou na Colômbia em 2010, e Evo Morales concorreu a uma quarta reeleição na Bolívia em 2019, contornando todas as regras.

E os valores democráticos?

A cultura política nessa parte do mundo carece de valores democráticos profundamente enraizados.

O diálogo é confundido com fraqueza, o respeito pela lei é sinônimo de candura, e hoje em dia a tolerância é praticamente intolerável.

Infelizmente, temos uma cultura política que se funde perante a demagogia e procuramos incessantemente os messias para “salvar o povo”. Mesmo que eles sejam autoritários –desde que façam parte dos “bons”. A democracia não pode ser possível enquanto “o outro” estiver no comando.

Não pretendo analisar, quanto mais refutar, os estudos sobre populismo realizados por grandes cientistas sociais como Carlos de la Torre, Loris Zanatta, Margaret Canovan, María Antonia Muñoz ou Ernesto Laclau.

Mas vale a pena analisar e criticar não só os atores políticos, mas também os próprios cidadãos, que afinal de contas são os que tornam a democracia possível.

Culpamos frequentemente os políticos pela estagnação do país e os culpamos pelas deficiências da democracia, mas quando é que nós, cidadãos, alguma vez nos colocamos diante do espelho para examinar as nossas próprias misérias, as mesmas misérias que enfraquecem a democracia e as instituições?

Até que ponto é o “governo do povo”, o mesmo governo que não compreende nem se interessa pela democracia, não uma quimera?

Até quando respeitaremos a democracia, enquanto ela nos convém? Será que nós, latino-americanos, somos a maior ameaça à nossa própria democracia?

Para mudar isso, é imperativo mudar a cultura política dos nossos países. Mas quem sabe, ninguém se importa demasiado.

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