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Vale a pena mudar de regime político?

Na América Latina, quase todos os países consideraram, em algum momento, debater a adoção de um novo sistema

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Adrián Albala

Professor do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília

Christopher Martínez

Christopher Martínez é professor associado no Departamento de Sociologia, Ciência Política e Administração Pública da Universidade Católica de Temuco. Doutorado em Ciência Política pela Universidade Loyola de Chicago. Ele é especialista em poder executivo e na estabilidade dos governos.

Recentemente aconteceram as eleições gerais na Alemanha e todos estão ansiosos para saber como será o próximo governo. No momento parece que o SPD (Partido Social Democrata, na sigla alemã), verdes e liberais estão em negociações avançadas..., mas não há anúncios previstos antes de dezembro... A incerteza já é algo bastante recorrente na Europa. Frequentemente, após uma eleição na Bélgica e Holanda, tem-se que esperar meses e às vezes mais de um ano para se ter um governo. Recentemente, Israel teve que recorrer a quatro eleições para determinar quem seria o chefe do governo, e em 2019 aconteceu algo similar na Espanha. Esses governos "Frankenstein", produto da junção de partidos com agendas opostas, tendem a ser imprevisíveis e pouco duradouros, como o efêmero governo italiano composto pela Lega Nord e o Movimento Cinque Stelle.

O que todos esses casos têm em comum? Todos eles são sistemas parlamentares.

Na América Latina, o debate sobre a adoção de novos sistemas políticos não é novo. Quase todos os países consideraram, em algum momento, discutir a adoção de novos sistemas. Outros, como o Brasil, recorreram a referendos para fazê-lo. O Chile e o Peru experimentaram mais de um sistema ao longo de sua história.

Depois de dois meses de intensas tratativas, o SPD (Partido Social Democrata, na sigla alemã) conseguiu enfim formar o governo que sucederá os 16 anos de comando de Angela Merkel - AFP

A questão do abandono do sistema presidencialista teve um forte eco nos anos 1980 e 1990, após o trabalho de Juan José Linz e seus seguidores, que apontaram para os supostos "perigos" do sistema presidencial. O principal argumento era que este sistema, por sua rigidez, era incapaz de resolver qualquer controvérsia entre os poderes executivo e legislativo, aumentando assim a probabilidade de impasse político, podendo resultar na ruptura democrática. Linz utilizava o exemplo do Chile de Allende, argumentando que, se ele tivesse sido primeiro-ministro em um sistema parlamentar, um voto de desconfiança teria sido suficiente para derrubá-lo, em vez de um golpe de Estado.

Outro argumento utilizado é que, por causa de sua suposta concentração de poder, os sistemas presidenciais oferecem menos incentivo para formar alianças tendendo, portanto, a serem mais radicais e instáveis.

Os defensores das democracias presidenciais parecem privilegiar os elementos constitucionalistas em detrimento de elementos estruturais, históricos ou contextuais para explicar seu funcionamento. Segundo essa visão, os golpes de Estado dos anos 1970 na América Latina foram devidos muito mais a questões constitucionais do que a questões sócio-políticas, ou mesmo geopolíticas, como a Guerra Fria.

A realidade latino-americana após os anos 1980 mostrou que os sistemas presidenciais são, na realidade, muito mais estáveis e eficientes do que Linz e companhia teorizaram. Países como Chile, Brasil ou Colômbia têm sido exemplos de "presidencialismo de coalizão", conjugando estabilidade política e democrática com relativo êxito em termos de eficiência governamental.

O cientista político José Antonio Cheibub mostrou que os países presidencialistas recorrem a 62% do tempo para formar coalizões quando começam como governos minoritários. Isto refuta uma das principais teses de Linz, já que as coalizões se formam e o fazem regularmente. Não apenas isso, a democracia tem sido relativamente estável na região. Mesmo os golpes das últimas décadas contra Manuel Zelaya em Honduras (2009) ou Jamil Mahuad no Equador (2000) não levaram ao colapso da democracia, e seus governos foram substituídos por civis.

Ou seja, diante de graves crises constitucionais, não presenciamos a queda da democracia, como previsto por Linz e Valenzuela. De fato, em vez de um confronto intransponível entre o legislativo e o executivo, típico da separação de poderes do presidencialismo, o que tem minado a democracia em alguns países latino-americanos tem sido a concentração excessiva e autoritária do poder de alguns presidentes, como no caso de Nicarágua, Venezuela e El Salvador.

No entanto, eventos recentes colocaram mais uma vez em questão o sistema de governo. E particularmente no Chile e no Brasil, várias propostas surgiram visando a adoção de um sistema parlamentar ou "semi-presidencial". Após a destituição da presidenta Dilma Rousseff no Brasil e o inédito — embora improvável — processo de Sebastián Piñera, o principal argumento defendido é "como se livrar de um presidente impopular?".

Os defensores dos sistemas parlamentares ou semi-presidenciais — sem especificar o que querem dizer com isso — argumentam que, por serem mais flexíveis, eles facilitam a superação de crises já que os governos podem ser derrubados através de um voto de censura ou de desconfiança. Como se a instabilidade governamental fosse uma sinecura.

Essa retórica tende a superestimar as crises, concentrando-se na resolução das mesmas. Mas não considera os mecanismos prévios à eclosão das crises. Cabe assinalar que, de fato, o presidencialismo é sempre comparado sobre este elemento, supostamente negativo, sem avaliar seus elementos positivos.

A queda de um governo, qualquer que seja o sistema, não põe necessariamente um fim à crise. Na América Latina, vimos isso na Argentina após a saída de Fernando de la Rua em 2001, quando o país teve uma série de presidentes interinos que não conseguiram controlar a crise que originou tudo. Na Europa também houve casos em que os governos caíram e os partidos não conseguiram chegar a um acordo sobre como formar outro. Ou, mesmo que formem um novo governo, ele volta a cair para logo ser substituído por outro.

Argentina teve teve uma série de presidentes interino após saída de Fernando De La Rua em 2001. - AFP

Questões centrais como a representatividade, previsibilidade e responsabilidade tendem a ser mais fortes nos sistemas presidenciais. Nesses sistemas, a formação do governo está a cargo exclusivamente de quem ganhou a eleição e as discussões são limitadas pelo tempo, já que o governo tem que estar montado quando o mandato é inaugurado, o que os torna muito mais previsíveis.

A previsibilidade em termos de política pública é particularmente relevante para países dependentes de investimentos estrangeiros, como os latino-americanos. Basta olhar para a Bélgica, que passou quatro dos últimos dez anos sem governo, para pensar nos problemas potenciais que isso poderia trazer.

Finalmente, vantagens e custos potenciais de instalar novos regimes políticos que substituam o presidencialismo devem ser ponderados, sem esquecer a cultura política e a curva de aprendizado de cada país. Os países com sistemas parlamentares que usualmente são usados como exemplos, localizados majoritariamente na Europa Ocidental, estão acostumados a lidar com a formação de governos e conflitos entre o presidente e o primeiro-ministro. De certa forma, esses países se acostumaram e aprenderam a lidar com tais problemas. Mas tais dinâmicas seriam inteiramente novas para a América Latina, que historicamente prefere o presidencialismo, que tem se adaptado a seus próprios contextos e idiossincrasias.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

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