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Os zumbis da Lava Jato atacarão em 2022?

Moro, Dallagnol e as perspectivas políticas para as eleições

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Guilherme Simões Reis

Professor da Escola de Ciência Política da Unirio, doutor em Ciência Política pelo Iesp-Uerj e coordenador do Centro de Análise de Instituições, Políticas e Reflexões da América, da África e da Ásia (Caipora)

Dificilmente Jair Bolsonaro ocuparia a cadeira de presidente do Brasil se não fosse pela Operação Lava Jato. Supostamente voltada para o combate à corrupção, a operação, repleta de irregularidades processuais, escolheu um alvo ao invés de simplesmente seguir as pistas e o devido processo legal.

Tratar a política como crime e o Partido dos Trabalhadores (PT) como uma quadrilha foram elementos centrais para criar o "clima" para o golpe de 2016, via processo de impeachment sem as condições jurídicas necessárias. O julgamento enviesado do ex-presidente Lula o levou à prisão, sem provas, alçando Bolsonaro à condição de favorito na eleição presidencial de 2018.

As sombras da Operação Lava Jato

Os principais atores da Operação Lava Jato que implicou uma atuação parcial e partidarizada da Justiça foram o então juiz Sérgio Moro e os procuradores do Ministério Público em Curitiba, com destaque para o coordenador da operação, Deltan Dallagnol. Juiz e procuradores combinavam entre si estratégias, ignoravam seletivamente informações, manifestavam em conversas o desejo de que o PT não vencesse a eleição presidencial e abusavam do instrumento das delações premiadas.

Tudo isso foi exposto na série de reportagens realizada pelo Intercept Brasil, conhecida como Vaza Jato, a partir da obtenção de conversas entre esses personagens no aplicativo Telegram. Depois, novos diálogos vieram à tona a partir da Operação Spoofing, da Polícia Federal. As delações premiadas, que supostamente seriam um incentivo para que alguns criminosos ajudassem a desbaratar os grandes esquemas, foram utilizadas deliberadamente para construir uma narrativa que levasse à condenação de Lula.

Para dizerem o que o Ministério Público queria ouvir, fosse ou não verdade, os delatores ora obtinham vantagens totalmente alheias ao efetivo compromisso com o combate à corrupção, ora sofriam tortura psicológica, em evidente abuso dos direitos humanos. Alberto Youssef, importante operador de lavagem de dinheiro, cuja soma de suas penas superaria 122 anos de cárcere fechado, conseguiu ficar preso por apenas três, com a preservação de vários imóveis declaradamente oriundos dos próprios crimes.

Por outro lado, delatores menos centrais no esquema de corrupção foram presos preventivamente e ameaçados de serem transferidos para presídios perigosos caso não "colaborassem espontaneamente". Em conversa realizada em 2017, Dallagnol zombava da "eficiência" das prisões preventivas como instrumento para pressionar os investigados a aceitar acordos de delação premiada.

O ex-executivo da Petrobras Pedro Barusco, que foi um dos primeiros delatores da Lava Jato, ainda em 2014, havia denunciado um acerto de propina entre funcionários da empresa, políticos e representantes de empreiteiras. Deltan Dallagnol e seu colega procurador Athayde Ribeiro Costa, entretanto, ficaram insatisfeitos com o fato de aquela delação permitir incluir o Partido Progressista entre os envolvidos, mas não o Partido dos Trabalhadores. Combinaram, então, de fazer novo acordo, deixando Barusco sem nenhuma pena realmente grave, para que realizasse nova delação, que conteria trechos escritos pelos próprios procuradores.

Moro, Dallagnol e as perspectivas políticas para as eleições de 2022

Moro pediu exoneração como juiz federal em 2018 para se tornar ministro da Justiça do próprio Bolsonaro, com quem rompeu dois anos depois devido a disputas de poder. Dallagnol pediu exoneração do Ministério Público Federal agora, em novembro de 2021. Sua meta, como a de Sérgio Moro, deve ser a de permanecer na política, mas desta vez pela via eleitoral, e não pela manipulação da Justiça.

O ex-juiz da inquisição lava-jatista tem se apresentado como provável candidato à Presidência da República na eleição de 2022. Já a ambição política de Dallagnol ainda não é conhecida.

Sabe-se apenas que gosta de dinheiro: matéria do Intercept Brasil mostrava que Dallagnol e seu parceiro procurador Roberson Pozzobon planejavam em 2018 um plano de negócios para lucrar com eventos e palestras remuneradas a partir da fama e dos contatos conseguidos por meio da operação Lava Jato. Usariam parentes como donos da empresa, para evitar questionamentos legais, e pensavam em criar um instituto "sem fins lucrativos" para pagar cachês para eles mesmos.

Em 2019, o Ministério Público Federal do Paraná tentava realizar um acordo com a Petrobras e o governo dos Estados Unidos para que a empresa estatal, que era o objeto da investigação da Lava Jato, pagasse RS 2,5 bilhões para um fundo privado que seria gerido pelo próprio Deltan Dallagnol e seus colegas. Agora que abriu mão de seu alto salário de procurador, não se sabe se tentará ser deputado ou se vai se atrever a buscar uma vaga no Senado ou o cargo de governador do estado do Paraná.

Sérgio Moro tem sido trabalhado como possível nome da "terceira via", contra Lula e Bolsonaro, por setores da imprensa que sempre publicavam notícias elogiosas e acríticas à Lava Jato. Hoje já não se vê nas ruas manifestantes com camisetas amarelas com seu rosto e chamando-o de herói, ou mesmo montagens suas com a roupa de Superman. Mas, com o favoritismo de Lula e a certeza de que haverá polarização, é o espaço de inimigo do PT e de defensor do punitivismo que estará em disputa. Moro tem algum potencial para voltar a atrair parte da base reacionária desiludida com Bolsonaro e ocupar esse lugar.

A plataforma política de Moro e Dallagnol em uma campanha eleitoral é previsível: muito alarmismo contra a corrupção, defesa de mais prisões e penas mais duras, crítica a uma burocracia "excessiva" na legislação penal brasileira que levaria à impunidade e difusão da ideia de que a classe política é toda corrupta e é necessário substituí-la por não-políticos.

A ruptura democrática de 2016 deu poder a figuras conspiratórias e autoritárias. Primeiramente, o então vice-presidente Michel Temer, amplamente chamado de "vampiro", tornou-se um presidente sem voto. Depois, Jair Bolsonaro teve uma disputa política segura pela presidência, sem Lula no caminho.

Bolsonaro é frequentemente chamado de "Bozo", mas o nível de destruição que tem causado o aproxima de palhaços mais aterradores, como Pennywise ou outros assassinos maquiados que povoam o cinema. Em fevereiro, a operação Lava Jato foi dissolvida, já em descrédito devido a todas as arbitrariedades e parcialidade reveladas. Mas, neste filme de terror que vive o Brasil desde 2016, a morte da Lava Jato pode não ser definitiva. Ela pode retornar como um zumbi, com candidaturas de Sérgio Moro e de Deltan Dallagnol exibidas em horário nobre na televisão.

Professor da Escola de Ciência Política da Unirio, doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ, coordenador do Centro de Análise de Instituições, Políticas e Reflexões da América, da África e da Ásia (CAIPORA) e dirigente sindical.

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