Latinoamérica21

www.latinoamerica21.com é uma mídia pluralista comprometida com a disseminação de informações críticas e verdadeiras sobre a América Latina.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Latinoamérica21
Descrição de chapéu LATINOAMÉRICA21 América Latina

Polarização em ascensão, confiança em queda

Num regime que não se tornou uma ditadura eleitoral, questão coloca em questão o clima de debate

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alberto Ruiz Méndez

Alberto Ruiz Méndez é doutor em filosofia e professor na FFyL, UNAM, Universidad Anáhuac México e Barra Nacional de Abogados. Coordenador do Projeto “Enfraquecimento ou consolidação da democracia na América Latina?” Estudante de pós-doutorado na Universidade Autónoma Metropolitana.

No dia seguinte às eleições presidenciais na Nicarágua, o vencedor, Daniel Ortega, chamou os outros sete candidatos de "filhos da puta dos imperialistas ianques". Presos por alegada "traição à pátria", Ortega mencionou que eles já "não são nicaraguenses" e deveriam ser levados para os Estados Unidos porque já "não têm uma pátria". Essas palavras exemplificam perfeitamente a atual polarização política em grande parte da região.

Qual é a origem desta dinâmica?

O famoso cientista político italiano Giovanni Sartori escreveu no seu livro Partidos y sistema de partidos: marco para un análisis que a polarização política pode ser entendida como a distância ideológica entre candidatos, partidos e eleitores, ou seja, é apenas mais um aspecto da dinâmica democrática. Assim como em um determinado momento poderá haver diálogo e consenso, em outro haverá polarização devido à heterogeneidade das posições políticas.

Mas hoje, como alguns estudos apontam, a polarização tem um ingrediente menos empírico e mais político-afetivo que a distingue do passado e a torna um problema estrutural das democracias atuais.

A polarização política deixa de fazer parte da pluralidade democrática quando três elementos estão entrelaçados. Primeiro, quando os atores políticos se recusam a participar de acordo com as regras do jogo democrático. Em segundo lugar, quando a pluralidade se alinha com duas tendências que transformam a política numa zona de conflito em vez do diálogo. E, finalmente, quando se institucionaliza um discurso que reforça uma dimensão afetiva que se estende para além das características políticas e atribui características físicas e ideológicas negativas que se tornam diferenças irreconciliáveis entre as duas tendências.

Hoje, assistimos a esse tipo de polarização nos meios de comunicação social. Há uma proliferação de publicações que destacam "qualidades negativas" do "outro" e encorajam reações de divisão nas pessoas: identifica-se "conosco" ou com "eles". Nesse contexto, as palavras do presidente nicaraguense cumprem as características e encorajam o atual processo de polarização. Vejamos.

Neste quinto mandato, a sua rejeição às regras do jogo – o primeiro elemento – reflete-se na prisão dos seus opositores antes do dia das eleições, na sua recusa em permitir observadores eleitorais e em promover o voto por correspondência no dia das eleições. Esses são claros indícios de um regime que não favorece a pluralidade ou permite a presença de adversários.

Ao referir-se aos seus opositores como "imperialistas ianques", Ortega reduz a pluralidade social a duas tendências – o segundo elemento –, por um lado, aqueles que o apoiam e que são, portanto, pessoas patrióticas e boas e, por outro lado, aqueles que são leais aos interesses estrangeiros e às pessoas más. Essa dicotomia identitária exige uma escolha por parte dos seus ouvintes.

Daniel Ortega acrescenta a dimensão afetiva – o terceiro elemento – ao mencionar que os seus adversários não são nicaraguenses e que já não têm uma pátria. Por outras palavras, tira-lhes toda a legitimidade, não só política, mas também moral, uma vez que liga a sua dissidência a uma marca de valor: estar contra mim é estar contra a pátria.

Num regime que não se tornou uma ditadura "eleitoral", esse tipo de polarização coloca em questão o trabalho da democracia para proporcionar um clima de debate e reflexão. Desse modo, as pessoas preferem responder a discursos que propõem soluções contundentes optando por alimentar a polarização política.

Quem pode estar a salvo do olhar inquisitivo daqueles que sentem que a sua pátria lhes pertence? A construção desta fronteira não é apenas um discurso político, é um discurso afetivo e emocional que instiga desconfiança nas pessoas em relação aos demais. Isso é corroborado por dados do Latinobarómetro 2021. De acordo com o relatório, a América Latina é a região mais desconfiada do planeta. Enquanto no resto do mundo a confiança interpessoal é, em média, de 29% entre os inquiridos, na nossa região é de apenas 9%.

No relatório Latinobarómetro do ano passado, nota-se que "a América Latina cai ao seu ponto mais baixo de confiança interpessoal desde 1996, atingindo 12%, o que representa um decréscimo de dois pontos percentuais em relação aos 14% alcançados em 2018.

Atualmente e no contexto de uma tripla crise de natureza econômica, sanitária e política, a polarização é um catalisador dessa sensação de desconfiança em relação aos outros. A desigualdade na região leva os latino-americanos a desconfiar das pessoas que os rodeiam, não porque os consideram uma ameaça, mas porque a prioridade perante a precariedade é "lutar" pela sobrevivência.

Os discursos políticos como os de Daniel Ortega não são apenas uma transgressão flagrante dos valores e princípios da democracia, são um incitamento à desconfiança no outro, naqueles que pensam de forma diferente, naqueles que não se parecem comigo, naqueles que falam com sotaque diferente, naqueles que não são "nicaraguenses", "mexicanos", "venezuelanos". A polarização construída sobre uma dimensão afetiva destrói toda a confiança interpessoal.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.