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Os verdadeiros desafios da nova Constituição do Chile

Ela deve incorporar princípios que garantam que a administração pública tenha a autonomia e a flexibilidade para resolver adequadamente os problemas públicos

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Sebastián Carrasco

Mestre em administração pública e em ciências políticas pela Universidade do Chile

Alejandro Olivares

Doutor em ciências sociais e mestre em ciências políticas pela Universidade do Chile

Na recente campanha presidencial chilena houve propostas frequentes que procuravam "eliminar a gordura do Estado" a fim de alcançar melhores resultados sem "operadores políticos" que dificultam a gestão pública profissionalizada de que necessitamos.

Entretanto, além da narrativa dos candidatos, no Chile cada centavo investido alcança um retorno maior em termos de bem-estar social do que em outros países da América Latina –Argentina, Brasil, Colômbia, Peru e México, entre outros–, de acordo com o Indicador de Eficácia Governamental do Banco Mundial.

Isso está longe de ser uma coincidência. Desde o retorno à democracia, em 1990, o país tem realizado importantes reformas destinadas a modernizar a gestão pública, com ênfase no uso correto dos recursos e na eficiência dos gastos.

Tudo isso foi acompanhado pela incorporação de tecnologias para apoiar o trabalho dos serviços públicos.

Da mesma forma, foram feitos esforços importantes na profissionalização dos funcionários públicos, principalmente por intermédio da criação de um sistema de função pública, que impôs altos padrões para a seleção de pessoal na administração do Estado nos primeiros níveis hierárquicos.

O Chile criou um sistema de alta administração pública que garante níveis de adequação da pessoa responsável por uma instituição, uma questão que ao longo do tempo se expandiu até mesmo para diretores de escolas públicas, que devem competir por meio desses procedimentos.

Portanto, o debate sobre a administração pública não deve se concentrar nos aspectos que já estão moderadamente resolvidos.

Em vez disso, devemos pensar em como incorporar novas lógicas, processos e estruturas na gestão pública que nos permitam tratar de questões urgentes.

Desde a crise migratória e climática, e questões relacionadas à inclusão de grupos excluídos, até a descentralização efetiva e a necessidade de solidificar certos valores que permitem um funcionamento adequado da democracia.

Autonomia e flexibilidade da administração pública

A administração pública precisa, portanto, ser repensada.

Não em termos de indicadores de eficiência, mas num sentido mais amplo, que lhe permita autonomia de políticos contrários aos ideais democráticos e flexibilidade para responder rapidamente às mudanças no ambiente.

Com relação à autonomia, há alguns anos os acadêmicos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt vêm alertando que as democracias no mundo de hoje não caem mais devido a golpes ou invasões estrangeiras, mas sim através de líderes cujas decisões acabam desgastando as instituições.

Isso é especialmente relevante na América Latina, onde muitas instituições políticas e econômicas são criadas sem nunca terem a intenção de cumprir na prática o papel que têm no papel, como alertam os especialistas Daniel Brinks, Steven Levitsky e María Victoria Murillo em um livro recente.

Um dos pilares que a administração precisa é ter autonomia suficiente para cumprir adequadamente seu mandato legal e os valores promovidos pela administração pública, salvaguardando seu trabalho de líderes políticos que desejam instrumentalizá-lo.

Isso é particularmente preocupante no caso chileno, dado o surgimento da ultradireita e certa possibilidade de ela ocupar a cadeira presidencial em anos próximos.

O ultradireitista José Antonio Kast, derrotado na eleição presidencial do Chile pelo esquerdista Gabriel Boric, durante discurso em Santiago antes do pleito; ele está atrás de um microfone, usa camisa social branca e exibe o dedo indicador da mão direita
O ultradireitista José Antonio Kast, derrotado na eleição presidencial do Chile pelo esquerdista Gabriel Boric - Mauro Pimentel - 16/dez.2021/AFP

Com relação à flexibilidade, a administração pública precisa ter uma estrutura ágil, que possa lidar adequadamente com as mudanças no ambiente.

Alguns princípios estruturantes da administração pública, tais como a adesão irrestrita às regras e a padronização dos processos administrativos, transformaram-na em uma organização que encontra dificuldades para enfrentar problemas globais, tais como a migração e as crises climáticas.

Isso é especialmente verdadeiro no caso do Chile, onde o processo de tomada de decisão é centralizado, deixando pouca margem de ação para as administrações regionais.

Vimos recentemente como a chegada maciça de migrantes ao norte do Chile levou ao rápido colapso dos serviços públicos e ao conflito com as localidades da região.

A crise climática fez o mesmo, empurrando o Estado ao limite diante dos incêndios e da escassez de água, para citar apenas alguns exemplos.

Serviços públicos descentralizados poderiam se adaptar melhor a essas dinâmicas se tivessem mais poderes e recursos para agir localmente e com uma perspectiva territorial, sem depender das decisões do governo central e dos serviços da capital do país.

O Estado deveria estar a serviço do povo, mas as estruturas estatais que tem hoje, particularmente fora da capital, não possuem as ferramentas para responder a situações extremas e urgentes.

A flexibilidade e a capacidade podem fazer a diferença para lidar adequadamente com os problemas públicos. Esse é o desafio que devemos aceitar para assumir o novo ciclo político do Chile.

O atual debate constitucional é uma oportunidade única para repensar a ligação entre o Estado e outras áreas da vida social e econômica, assim como sua estrutura, processos e funcionamento.

Assim, uma nova Constituição deve incorporar princípios orientadores que garantam que a administração pública tenha a autonomia, a flexibilidade e a capacidade necessárias para resolver adequadamente os problemas públicos, independentemente do governante em exercício.

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