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A indústria privada da desinformação na América Latina

Fact-checking não é suficiente para limitar o efeito nocivo das fake news no debate público e na democracia

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Gustavo A. Rivero

Mestre em estudos internacionais na Universidade de Los Andes (Colômbia)

Juan Orlando Hernández utilizou em sua reeleição em 2017 contas falsas para manipular a opinião pública hondurenha. Isto foi descoberto quando o ex-presidente –preso sob acusação de narcotráfico logo depois de deixar o cargo– levava um ano de seu segundo mandato. Sophie Zhang, a perita em dados do Facebook que o descobriu e foi despedida por ter revelado o tratamento descuidado que a plataforma deu ao incidente, identificou que milhares de likes, shares e comentários a favor do ex-presidente foram feitos por contas que fingem ser de empresas, organizações e figuras públicas. Este é mais um exemplo de que as eleições na região estão ameaçadas, não tanto pela compra de votos ou corrupção, mas pela emergente indústria privada de desinformação.

Os principais clientes destas novas empresas especializadas em manipular o ecossistema digital são os governos do momento, os aspirantes e os partidos políticos. Desta forma, enganam os eleitores, moldando o discurso público do país a seu favor, para se posicionarem ou permanecerem no poder. Este fenômeno acresce às alegadas ameaças vindas de regimes com práticas autocráticas como a China, Rússia e Irã, que, juntamente com hackers da Venezuela, executam operações para desestabilizar determinadas democracias da região.

Mas com o aparecimento de atores não estatais na produção de desinformação, o panorama torna-se significativamente mais complexo, uma vez que encontrar falhas com os partidos políticos e governos que contratam estas empresas depende da fidelidade de acordo com o pagamento por estes serviços.

Este mercado de desinformação foi exposto pelo Instituto de Internet de Oxford no seu relatório "Industrialised Disinformation 2021". Nele, se insiste que a manipulação das redes sociais é uma séria ameaça para as democracias contemporâneas. Uma das suas conclusões mais preocupantes é a crescente atividade das tropas cibernéticas, que são produzidas por empresas privadas que foram contratadas por governos ou partidos políticos com o objetivo de disseminar desinformação política através de plataformas para afetar os seus opositores.

Montagem com os logos de Facebook, Instagram e WhatsApp
Montagem com os logos de Facebook, Instagram e WhatsApp - Lionel Bonaventure/AFP

Cibertropas na América Latina?

Dos 81 países analisados no relatório, 12 são –latinoamericanos Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Venezuela– e foram vítimas das operações de desinformação por parte das cibertropas durante períodos eleitorais e/ou transições de poder. O espectro ideológico para distinguir os contratantes é irrelevante, uma vez que o relatório inclui políticos tanto de esquerda como de direita que tiveram vínculos com este tipo de empresas com o propósito de estar com o poder.

As táticas geralmente utilizadas pelas empresas privadas para desinformar são o narrative laundering ou branqueamento de narrativas e a utilização de cibertropas. A primeira modalidade consiste em desenvolver uma narrativa a partir do interior do governo, para o qual se contrata uma empresa estrangeira de comunicação estratégica, que cria websites que simulam ser centros de reflexão virtuais que se caracterizam por fabricar pessoas.

Estes perfis falsos são supostamente autores de renome que fazem publicações com mensagens a favor do contratante com o objetivo de viralizá-las até serem captadas pelos meios de comunicação para serem reproduzidas nas audiências particulares.

Esta tática ainda não foi totalmente verificada na América Latina, enquanto as cibertropas têm sido utilizadas por políticos da região. Estas empresas têm geralmente hackers ou programadores na sua folha de pagamentos que se oferecem para gerir uma variedade de contas falsas para dispersar a desinformação. Entre elas, as sock puppet accounts, trolls ou contas de usuário fantoches. Estes perfis modificam o seu comportamento online de acordo com as exigências do cliente, seja para elogiar, defender, atacar ou apoiar um político ou organização, e com isso manipulam a opinião pública.

O hacker das eleições na América Latina

Segundo o infame hacker colombiano Andrés Sepúlveda, ele trabalhou com o consultor político J.J. Rendón nas eleições presidenciais da Nicarágua, Panamá, El Salvador, Colômbia, Costa Rica, Venezuela, entre outros países, realizando operações de desinformação através de servidores contratados anonimamente na Rússia e Ucrânia e pagos com bitcoins. Estas operações caracterizavam-se pela disseminação de propaganda e rumores políticos, infiltrando-se nas campanhas dos líderes da oposição, especialmente os de esquerda ou progressistas, com o objetivo de enterrá-los social e politicamente.

Para a firma norte-americana CLS Strategies, o Facebook fechou 55 contas, 42 páginas e 36 contas Instagram centradas na Bolívia e Venezuela por interferirem na política interna de países com governos de esquerda. Segundo o relatório do Stanford Internet Observatory: Bolivarian Factions: Facebook Takes Down Inauthentic Assets (2020), as contas centradas na Bolívia apoiavam a presidente interina Jeanine Áñez e acusavam Evo Morales de fraude eleitoral, mas sem contar com maiores evidências. Em relação à Venezuela, esta empresa concentrou-se em apoiar líderes da oposição como Juan Guaidó, que tornaram viral ao gerir as suas redes sociais a partir de Washington, particularmente quando se declarou o presidente legítimo deste país.

Novas ameaças à democracia

Este é um ano de eleições presidenciais e referendos na região. Países como a Costa Rica, Colômbia, México e Brasil, que foram anteriormente afetados por campanhas de desinformação levadas a cabo por empresas privadas, estão de novo no olho do furacão, já que qualquer ator político pode contratar estes serviços.

A diversificação e sofisticação que foi desenvolvida para dispersar a desinformação com os deep fakes- imagens e vídeos criados a partir da inteligência artificial- e a automatização de bots cada vez mais semelhantes ao comportamento humano, minam a legitimidade das democracias contemporâneas.

Neste contexto, enquanto a sociedade civil trabalha em iniciativas como os fact-checking para mitigar as notícias falsas, a desinformação e a propaganda, isto não é suficiente para limitar o seu efeito nocivo no debate público e na democracia.

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