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Dados abertos para a transformação latino-americana

Redução nos investimentos em ciência e tecnologia nos últimos três anos coincidiu com ampliação da defesa de dados abertos

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Bruno Nathansohn

É sociólogo e gestor de documentos. Doutorado em Ciências da Informação, Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto Brasileiro de Ciência e Tecnologia da Informação (IBICT).

Nos últimos três anos, houve um arrefecimento dos investimentos em (CT&I) Ciência, Tecnologia e Inovação na América Latina, concomitante à ampliação das discussões e ações em defesa de uma produção científica, tecnológica e de inovação aberta.

Isso significa que existe um forte movimento para que se quebre a espinha dorsal da produção de conhecimento atual, baseada na capitalização e monopolização dos saberes por grandes grupos editoriais de caráter corporativo que estão sediados nos países mais desenvolvidos. Como consequência da liberação dessas amarras, valoriza-se a participação pública nos rumos da CT&I.

A ideia sobre dados científicos abertos em relação à CT&I nasceu no momento de preparação para o Ano Internacional da Geofísica, patrocinado pela Assembleia Geral da ONU, entre os anos de 1957 e 1958. Em 2004, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) formalizou uma declaração em que todos os dados de arquivo produzidos a partir de financiamento público deveriam ser disponibilizados sem custo.

Expositores mostram plataforma de análise visual de big data durante exposição internacional em Guiyang, no sudoeste da China, em maio de 2018 - Tao Liang/Xinhua

Dados abertos aplicado à inclusão social

Conforme definição da Open Knowledge Foundation, "[o] conhecimento é aberto se qualquer pessoa for livre para acessá-lo, usá-lo, modificá-lo e compartilhá-lo — sujeito, no máximo, a medidas que preservem a proveniência e a abertura". No entanto, a pesquisadora Anne Clinio aponta para o conflito de perspectivas sobre esse assunto na AL.

Segundo ela, "[existe], pelo menos, duas perspectivas em disputa: a primeira fomenta uma visão utilitarista da ciência em termos de maior eficácia, produtividade e competitividade; a segunda se volta para temas como garantia de direitos, justiça cognitiva e justiça social".

A valorização de dados abertos pode ser um importante ponto de inflexão para dinamizar a situação socioeconômica da América Latina, ou seja, atuar de modo efetivo para atender aos direitos de inclusão social. Ainda que seja um tema em disputa teórica e prática, a produção de conhecimento por meio de dados abertos apresenta-se num contexto que reúne baixo grau de participação política, aliado aos baixos níveis de investimentos empresariais em Pesquisa e Desenvolvimento, testemunhados por uma onda neoliberal que insiste em fragilizar os já debilitados sistemas sociais e econômicos.

Portanto, a qualidade de produtos, serviços e processos só será aprimorada quando a sociedade obtiver elevação em seus padrões de vida, as condições materiais de existência forem supridas e as questões sociais básicas forem solucionadas.

Não adianta pensar em aplicações tecnológicas emergentes, sem antes transformar mentalidades e formas de agir em sociedade que sejam baseadas num modelo econômico exploratório desmedido de recursos naturais. Isso de nada adianta se a maior parte da sociedade estiver premida por necessidades básicas do dia a dia, e não for estimulada a pensar criticamente.

A despeito dos avanços da temática na América Latina, considerando o desenvolvimento de repositórios de dados científicos, a colaboração latino-americana em dados abertos ainda depende de uma governança estruturada regionalmente, pois necessita de um marco normativo para a gestão de dados de pesquisa. Exemplos de repositórios, que poderiam ser integrados num futuro próximo são: convênio IBICT, RNP e CNPq, no Brasil; Portal de Datos de la UAM, no México; repositórios Dataverse; e Re3data.

Para tanto, o contexto precisa ser compreendido pelo profissional que realizará o diagnóstico sobre as formas de produção da informação e da disseminação do conhecimento. Fatores inerentes às ações, visando à transformação social, devem envolver métodos, técnicas e ferramentas orientadas à avaliação das condições sociais e econômicas, e ter a capacidade de produzir dados cientificamente qualificados e abertos, publicamente acessíveis para a sua reutilização com o objetivo de aprimorar o conhecimento produzido.

Mas isso deve ser realizado de forma simétrica, valorizando o acesso aos bens comuns, com proteção contra as práticas desiguais da ciência tradicional moderna. O que, além disso, permitiria a inclusão de conhecimentos baseados em saberes tradicionais, rompendo as barreiras impostas pelo hegemonismo de uma CT&I de caráter eurocêntrico.

Isso permitiria traçar outras perspectivas em ambiente participativo, com maior interação entre representantes comunitários e tomadores de decisão, em que o pesquisador atue como um facilitador e decodificador da produção e dos resultados da pesquisa. Experiências de dados abertos são fundamentais para que outros pesquisadores ou tomadores de decisão possam reutilizá-los, ressignificá-los e reorientá-los, pois a transformação da dinâmica social é constante e as ações para compreendê-las precisam estar afinadas com a realidade.

Exemplos pelo mundo

Exemplo prático de ferramentas de dados abertos está nos diversos repositórios institucionais espalhados pelo mundo. A European Open Science Cloud (EOSC), no âmbito da European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme, mostra o quanto é decisivo o investimento com o objetivo de trocar conhecimentos sem barreiras de custos para pesquisa, inovação e educação.

Na América Latina, o relatório elaborado para o Foro Abierto de Ciencias (CILAC), em 2018, intitulada: Transformando nuestra región: Ciencias, Tecnología e Innovación para el Desarrollo Sostenible, atesta a importância dos dados científicos abertos para a transformação social da região e abre possibilidade de crescimento dessa modalidade de compartilhamento do conhecimento.

Um bom exemplo de articulação continental, que parece funcionar de forma eficiente, mesmo em momentos de crise política aguda, é a área de pesquisa em saúde pública (Unasul-Saúde, OPAS etc.). O intercâmbio de informações técnicas e científicas interinstitucionais pode inspirar práticas de fomento à CT&I mais sólidas e contínuas, como políticas de Estado e não apenas por iniciativas de governos.

As avançadas discussões sobre Dados Abertos também são um indicativo de que o continente tem atuação destacada, com pioneirismo, nas propostas defendidas pela Declaração do Panamá sobre Ciência Aberta, em 2018, e nas ações em defesa do acesso democrático ao conhecimento científico.

Existem prioridades incontestes em relação à implantação de políticas de CT&I e isso está ligado às iníquas e contraditórias condições materiais de existência da população latino-americana, sendo primordial solucionar suas questões sociais básicas.

Com isso, a transformação passa, necessariamente, por redesenhar novas estratégias de desenvolvimento que tenham a pesquisa, o ensino e a inovação como elementos fundamentais para o desfrute de uma cidadania plena, justa, inclusiva e diversa.

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