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O rápido esgotamento do novo ciclo de direita na América Latina

Onda de direita dá sinais de fim antes mesmo de conquistar hegemonia

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Fabricio Pereira da Silva

Professor de ciência política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), tem pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago (Chile)

O atual ciclo de direita na América Latina dá sinais de esgotamento antes mesmo de conquistar uma duradoura hegemonia. A vitória de Gabriel Boric no Chile em dezembro de 2021 pode simbolizar uma mudança de tendência, e as eleições da Colômbia e do Brasil ao longo de 2022 serão decisivas para a confirmação deste cenário.

Os governos de direita vêm sendo derrotados sem terem conseguido se manter nem uma década no poder. Mais precisamente, eles têm se mantido por apenas um mandato. As exceções foram Honduras e Paraguai, dois países nos quais elas haviam retornado mediante golpes institucionais. Mesmo em Honduras, foram recentemente derrotadas.

Efetivamente, nas 12 eleições presidenciais ocorridas desde 2019 na região, em 11 se elegeram oposicionistas. A exceção está na Nicarágua em 2021, claramente uma eleição de fachada realizada apenas para manter Daniel Ortega no poder.

Gabriel Boric em discurso no palácio presidencial em 14 de março; presidente mais jovem da história do Chile, citou Salvador Allende em seu discurso de posse - Martin Bernetti/AFP

Os diferentes ciclos da direita

O ciclo de direita não deve ser entendido como um intervalo entre ciclos progressistas, e que logo desaparecerá sem deixar rastros. Elementos desta onda seguirão vivos nos próximos anos. Tampouco é uma suspensão temporária de um ciclo progressista que nem teria chegado a terminar.

A ascensão das direitas respondeu a um esgotamento daquele ciclo dos anos 2000 e começo dos anos 2010. Finalmente, ele não é restauração de alguma etapa anterior do passado latino-americano. Ele apresenta alguns elementos próprios e novos que o diferenciam de etapas anteriores.

Para caracterizar o ciclo de direita que começou em meados da década de 2010, tentemos escapar da aplicação de análises duais do tipo liberais e conservadores, democratas e autoritários, novos e velhos, cosmopolitas e nacionalistas.

Se deve entendê-lo como algo que tem seus elementos próprios, que projeta um futuro – não apenas a restauração de um passado, mítico ou não. Consequentemente, algo que não deve ser tratado como uma "restauração conservadora", ou como uma retomada de políticas neoliberais dos anos 1990. Em boa medida, trata-se de algo distinto.

É assim porque: 1) apresenta elementos do neoconservadorismo que não se faziam presentes no ciclo de direita anterior, em alguns casos mesmo de neofascismo, e seu neoliberalismo é mais agressivo antipovo; 2) se organiza de forma diferente, disputa eleições e organiza golpes de forma diferente, governa de forma autoritária ou com democracia limitada; e 3) apresenta um alinhamento internacional distinto ao dos anos 1990.

Novas ideias

Estas direitas acumulam uma larga história na América Latina: constituem a regra, não a exceção da política regional. Não fizeram tábula rasa das ideias que as alimentam desde a constituição da região. Linhagens de pensamento liberais, conservadoras, católicas seguem presentes, informando suas propostas e ações.

Porém, há uma renovação, pois estes elementos se apresentam com novas roupagens. Diversos de seus líderes se expressam como figuras mais agressivas, autoritárias, associadas a valores e práticas em parte inspiradas no neoconservadorismo ou tradicionalismo da direita alternativa (alt-right) do Norte, como nos casos de Jair Bolsonaro, Nayib Bukele e Iván Duque, que predominam neste ciclo atual.

Pode-se sugerir também que o chamado neoliberalismo atual é uma concepção que se expressa para além daquelas reformas privatizantes associadas anteriormente ao Consenso de Washington. Nas últimas décadas ele se enraizou profundamente nas sociedades latino-americanas. Neste sentido, se constitui num modo de vida hegemônico, que seguiu se desenvolvendo durante o ciclo progressista anterior. Provavelmente se expressará no possível novo ciclo progressista, limitando-o. Se associa à uberização, ao empreendedorismo, ao individualismo, às milícias privadas e paramilitares, ao tráfico de drogas, ao consumismo, ao neopentecostalismo.

Novas práticas

Estas direitas também adotam novas práticas para disputar o poder. Estes recursos passam pelos golpes institucionais (Honduras, Paraguai e Brasil), pelo lawfare com intenção de impedir mediante criminalização o retorno de líderes progressistas, pela profusão de fake news e pela digitalização das campanhas eleitorais.

Se alguns poucos partidos tradicionais de direita ainda sobrevivem (como o Partido Nacional no Uruguai e o Partido Colorado no Paraguai), têm sido mais comuns candidatos que se apresentam de forma independente, ou a partir de plataformas cidadãs e partidos de aluguel. Trata-se de uma direita que se afasta explicitamente de suas instituições tradicionais. E que em diversos casos aposta mais abertamente na defesa da ditadura, na perseguição a opositores e em estados de exceção permanentes.

Se no ciclo anterior de direita seus representantes procuravam apresentar-se como democratas, esta exigência parece menor agora. Muitos governam de forma abertamente autoritária, testando a todo momento os limites da combalida democracia liberal (casos de Bolsonaro, Bukele e Duque), ou recorrendo a sucessivos estados de exceção (Sebastián Piñera).

Aliança incondicional com Washington

Finalmente, em comparação ao ciclo de direita dos anos 1990, há um alinhamento incondicional aos EUA (particularmente durante a presidência de Donald Trump), e um abandono das políticas integracionistas regionais, mesmo de "regionalismo aberto". Evidentemente, a preferência de alinhamento internacional das direitas latino-americanas desde 1945 tem sido com os EUA.

Porém, no ciclo anterior, se apostou em políticas mais multicêntricas, especialmente na construção de instituições de integração sul-americana, ibero-americana, lusófona. Mesmo as propaladas "relações carnais" do menemismo com os EUA deram espaço a uma aposta no Mercosul. Agora, o que se vê são instituições sul-americanas, latino-americanas e Sul-Sul abandonadas, e uma notável ausência de iniciativas assertivas nas relações internacionais.

Esta aliança incondicional mostrou sinais recentes de enfraquecimento, que podem ser exemplificados pelos conflitos da administração norte-americana de Joe Biden com Bukele por seu suporte aos bitcoin, e com Bolsonaro por seu confuso apoio a Vladimir Putin no conflito entre Rússia e Ucrânia. Será importante observar nos próximos meses se ao final a aliança era mais do que tudo ideológica – com a extrema-direita norte-americana.

Ciclos desgastados

Pode-se sugerir que hoje, numa região ainda em sua maioria formalmente democrática, e com os maiores níveis de desigualdade do planeta, seria difícil o estabelecimento de uma longa hegemonia explicitamente de direita. Pode-se considerar também que a crise e reconfiguração do capitalismo desde 2008, com o fim do "consenso dos commodities", não favoreceram este novo ciclo. Tampouco a desorganização em diversos níveis promovida pela pandemia de Covid-19 nos últimos dois anos.

De um modo geral, se apresentam sociedades crescentemente divididas, polarizadas, atomizadas – especialmente no marco da pandemia. Nesse contexto, uma possível nova onda rosa igualmente enfrentará dificuldades significativas para se manter. Isto poderia estender indefinidamente uma situação de ciclos e contraciclos curtos, que não chegam a se consolidar –numa longa crise orgânica regional.

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