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A esquerda latino-americana e sua visão da guerra na Ucrânia

A invasão russa deveria levar as esquerdas da região que caíram no caminho do negacionismo a reconsiderar suas posições

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​Esteban Caballero

Cientista político, ex-diretor regional para a América Latina e o Caribe do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)

Da perspectiva do direito internacional, a agressão da Rússia à Ucrânia não pode ser desculpada.

Entretanto, embora nenhum país latino-americano tenha votado contra a condenação da Rússia na Assembleia Geral das Nações Unidas, países como Bolívia, El Salvador, Nicarágua e Cuba se abstiveram, e a Venezuela se ausentou.

O presidente venezuelano discursa para multidão em Caracas
O presidente venezuelano discursa para multidão em Caracas - Leonardo Fernandez Viloria - 12.fev.2022/Reuters

Nesse sentido, o posicionamento de alguns atores políticos da esquerda latino-americana gera consternação.

Para a ex-embaixadora do México nos Estados Unidos, Martha Bárcena, o voto de seu país veio para definir uma posição oficial que finalmente "tomou o rumo correto, como produto do trabalho da missão do México junto à ONU".

Foi a correção às ambiguidades do discurso do presidente Andrés Manuel López Obrador, que, segundo a própria embaixadora, estava sendo empurrado a se distanciar de uma condenação clara e contundente da invasão pela ala mais ortodoxa de seu partido, o Morena.

A ambiguidade inicial do governo do México é sintomática de uma dificuldade que certos governos e forças políticas da esquerda latino-americana tiveram para se posicionar nesta nova conjuntura política internacional.

O Grupo de Puebla, que reúne líderes do progressismo latino-americano, também se limitou em suas declarações, tanto em substância quanto em forma.

Em sua declaração de 24 de fevereiro, fez um chamado "cordial às partes envolvidas, para manter a paz e a segurança da Ucrânia, abandonando a via da intervenção militar e das sanções econômicas unilaterais contra a Rússia", mas sem mencionar as palavras "invasão" ou "agressão".

Porém, dois dias depois, emitiu uma segunda declaração, condenando "o uso unilateral da força e as graves consequências humanitárias".

A leitura da conjuntura internacional que parte da esquerda latino-americana fez e segue fazendo é influenciada por diferentes fatores. Alguns deles são evidentes.

Para Cuba, Venezuela e Nicarágua, a questão é manter uma boa relação com os Estados que representam um contrapeso aos EUA, e aos quais podem recorrer para superar as sanções e inimizades que têm com seu vizinho do norte.

Isso implica não somente acenar à Rússia, mas também manter certa sintonia com a China, que evita condenar a agressão de Vladimir Putin.

Esse posicionamento geopolítico é similar, mas não igual ao que procura se distanciar de qualquer tipo de ação agressiva em relação à Rússia, como as implementadas pelos membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da União Europeia.

Aqui também os interesses comerciais e as expectativas de possíveis investimentos estrangeiros diretos, especialmente da China, são primordiais.

Esse grupo não inclui apenas países que se definem de centro-esquerda, como a Argentina, mas também governos de direita, como é o caso de Jair Bolsonaro no Brasil.

Mas o que mais se lamenta é que existem narrativas que denotam uma perspectiva ideológica que ainda persiste na região, apesar de suas limitações: o "anti-imperialismo ingênuo".

Ainda se acredita no discurso oficial dos aparatos estatais de Cuba, Venezuela e Nicarágua, e está disposto a subordinar um posicionamento progressista coerente ao maniqueísmo ortodoxo no qual tudo o que os EUA fazem é contrário aos interesses do espírito revolucionário.

No marco desse maniqueísmo grosseiro, a guerra na Ucrânia foi apresentada como mais um episódio do hegemonismo americano, que utiliza a Otan para atingir seus objetivos.

Há uma pergunta paradigmática colocada no meio de comunicação da Prensa Latina: "Qual é o objetivo dos Estados Unidos de defender um governo não muito popular tão distante de suas costas?".

A partir dessa posição, essa esquerda fez uma série de contorções conceituais, que basicamente justificam a invasão de um país soberano por um poder militar maior, algo inaceitável quando se trata da América Latina.

No artigo "O anti-imperialismo ingênuo e o 'westplaining' que indignam a Europa Central e Oriental", argumenta-se que a esquerda polonesa se surpreendeu com a paralisia na tomada de posição de seus companheiros de rota em escala global, mencionando particularmente a América Latina e a Espanha.

O que é criticado é que o ingênuo anti-imperialismo apresenta o processo de "expansão" da Otan como uma vontade unilateral dos EUA, quando a ampliação não foi uma incorporação unilateral dos países da extinta União Soviética por parte dos EUA, mas um processo mediante o qual se aceitavam solicitações para integrar o clube.

Cada um dos ingressos se baseou em uma decisão soberana das nações independentes que buscavam amparar-se sob o guarda-chuva defensivo da Otan.

Esses países o fizeram justamente pelo temor ao impulso imperial da Rússia, que após a queda da União Soviética não parecia provável, mas que com Putin ficou em evidência.

No Memorando de Budapeste de 1994, Rússia, EUA e Grã-Bretanha concordaram com a incorporação da Ucrânia ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, pelo qual a Ucrânia se livraria de todo seu arsenal nuclear.

No mesmo documento, a Rússia se comprometeu a respeitar a independência e a integridade territorial da Ucrânia, e foi curiosamente apresentado ao secretário-geral da ONU pelo então embaixador da Rússia no organismo, Sergei Lavrov, atual Ministro das Relações Exteriores do país.

Militar ucraniano aponta seu rifle na cidade de Kharkiv
Militar ucraniano aponta seu rifle enquanto verifica a passagem de pessoas após bombardeio na cidade de Kharkiv - Fadel Senna - 31.mar.2022/AFP

Evidentemente, esse compromisso foi quebrado, a tal ponto que hoje nos encontramos diante de bombardeio de civis desarmados.

A invasão russa na Ucrânia deveria levar as esquerdas latino-americanas tradicionais, que caíram no perigoso caminho do negacionismo, a reconsiderar suas posições.

Onde está o fascismo, senão na terrível constatação de Putin, na qual ele declara estar "convencido de que essa necessária e natural autopurificação [sic] da sociedade fortalecerá nosso país, nossa solidariedade, nossa coesão e nossa capacidade de responder a qualquer desafio?".

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