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Contradições no mundo diante das mudanças climáticas

As ambiguidades deixam espaço para esvaziar o debate ambiental, coreografando-o com retóricas tão alarmistas quanto carentes de planos executivos

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Fabián Echegaray

Verões de calor recorde. Chuvas intermináveis arrasando cidades e vilarejos. Secas liquidando economias regionais e projetos familiares.

Tempestades de granizo e furacões fora de época ou de rota se tornaram não mais a exceção, mas a regra.

Não há dúvida que as mudanças climáticas deixaram de ser um tema especulativo de cientistas para se tornar uma ocorrência diária. O que não estava tão claro é que os latino-americanos são as pessoas mais preocupadas com o tema no mundo.

Um estudo da rede global de pesquisas WIN, em associação com a consultoria Market Analysis, revela que sete em cada dez latino-americanos estão totalmente de acordo que o aquecimento global é uma ameaça séria para a humanidade.

Apenas um punhado de países do sudeste asiático, frequente e duramente castigados por inundações e desastres climáticos, como Indonésia, Vietnã e Malásia, registra maior preocupação, mas como região a América Latina exibe um grau de alerta incomparável.

Em contraste, apesar da abundância de informação e das recentes tragédias, os europeus ou norte-americanos parecem menos alarmados.

Se um consenso tão vasto de opinião pública servisse para guiar as ações dos governos ou suas instituições de peso, seria esperado que nossa região se tornasse o porta-voz e agente ativo nas negociações climáticas e veríamos uma liderança nítida daqui a alguns meses, quando a próxima Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP-27, for realizada em novembro, no Egito.

Será que veremos isso no futuro próximo?

Como tantas outras urgências, da inflação à criminalidade, da deterioração educacional à explosão da dependência de drogas, nossas sociedades são rápidas em exibir suas preocupações e lentas ou inconsistentes em reagir pública e coletivamente para tentar remediar.

Não é raro explicar essas brechas por desvios culturais que tendem a dramatizar exageradamente demasiados temas ao mesmo tempo e a amparar-se na transferência de responsabilidade para terceiros.

Em outros casos, são frequentes as restrições às liberdades ou direitos civis que impedem manifestações, como sucedeu nas ditaduras ou durante as duras quarentenas de 2020.

Curiosamente, nenhuma dessas alternativas nos ajuda a entender o quadro atual.

No caso da crise climática, a ansiedade e a sensação de emergência recorde dos latino-americanos são neutralizadas por um combo paralisante de otimismo inercial, autorresponsabilização individual exagerada e exculpação de quem tem recursos e responsabilidades originais pelos fatores que geraram as mudanças climáticas.

Resultado: um ambiente de opinião pública que deixa tanto observadores quanto tomadores de decisão perplexos e inertes, desencorajando a perspectiva de ver qualquer chefe de Estado latino-americano protagonizando algum ato dramático em favor das restrições de emissões.

Otimismo inercial

A angústia desencadeada pela mudança climática não gera necessariamente um pessimismo sobre o rumo de nossas sociedades.

Ao contrário, os latino-americanos em geral, e os brasileiros em particular, destacam-se como os mais otimistas a respeito da possibilidade de corrigir os problemas atuais.

Só 25% no Brasil estão total ou parcialmente de acordo que é muito tarde para corrigir os cataclismos climáticos em curso, apesar das evidências.

Isso os coloca como o país em desenvolvimento mais otimista, superando inclusive os norte-americanos e seu negacionismo climático.

Mexicanos, paraguaios, peruanos e colombianos também exibem maiorias que confiam em um final feliz sem muito argumento para defender esse ponto de vista, amparados em uma crença ingênua redentora na ciência ou em ações empresariais, deflagrando, assim, o alarmismo genérico demonstrado com o tema.

Esse otimismo latente contrasta com o ceticismo das sociedades asiáticas. Dois terços da Índia e seis em cada dez chineses e paquistaneses questionam abertamente a ideia de que é só uma questão de tempo até que as soluções eliminem o problema.

A desertificação de seus solos, a contaminação e o desaparecimento de suas fontes de água, os dilúvios de monções e a propagação de pragas, fruto do calor excessivo, lembram a quase um terço da humanidade ali reunida que o otimismo é a ausência de informação ou de experiência brutal com os fatos.

Autorresponsabilização individualizada

A fenomenal individualização das soluções para a mudança climática (e a inocência parcial percebida de corporações e governos) é outro fator que desmotiva a mobilização pública e coletiva ou a fiscalização e cobrança de decisões efetivas por parte dos líderes.

Nove em cada dez brasileiros, mexicanos, peruanos, colombianos e paraguaios acreditam que suas ações pessoais podem fazer a diferença na qualidade ambiental. E 80% dos argentinos e chilenos pensam igual.

Essas percepções estão acima da média dos países europeus ou norte-americanos, nos quais a legislação e a infraestrutura organizacional permitem uma assertividade mais efetiva dos consumidores sobre empresas e governos para influenciar as ações responsáveis.

Surpreende ainda mais na medida em que 50% das emissões de gases de efeito estufa provêm dos 10% mais ricos da população mundial, o que basicamente exclui quase todos os latino-americanos.

Se os cidadãos europeus ou norte-americanos, com seu impacto sideral no consumo, fossem líderes no reconhecimento de suas responsabilidades, isso soaria razoável.

Um canadense emite 14 toneladas de CO2 por ano, um finlandês, 9,7, um inglês ou um japonês, de 8,5 a 8,1, respectivamente. Mas o fato de os latino-americanos o fazerem (emitem cerca de 3 a 3,5 toneladas de CO2 per capita por ano) nos diz outra coisa.

Sem dúvida, uma sensação de empoderamento ambiental ajuda a criar cidadãos mais comprometidos, mas também arrisca formar uma falsa consciência de agentes de mudança, especialmente quando é reduzida a pequenos atos cotidianos individuais e inócuos –principalmente se comparado ao efeito que as decisões corporativas e estatais podem ter.

Se é verdade que, em média, 60% das emissões que afetam o clima surgem do consumo residencial –o que tornaria os indivíduos em agentes de peso–, são as decisões de projeto dos produtos feitos por empresas e as fontes de energia usadas ou estimuladas por governos –ou a maneira de regular ou fomentar como se movimentar, consumir, viver, trabalhar ou estudar– que condicionam o impacto final dos indivíduos em sua gestão do cotidiano.

Entretanto, entre os habitantes da região há uma maior inclinação para exculpar corporações e Estados (que contam com recursos e influência para moldar a agenda pública em grande escala), repassando a obrigação aos indivíduos.

Quase um terço dos latino-americanos não acreditam que o principal esforço em prol da sustentabilidade e do ambiente deva vir de empresas ou governos, mas de indivíduos. Entre os indivíduos de classe média e média baixa no Brasil, a porcentagem é de 40%. Já na Europa, África ou Ásia, essa crença é compartilhada por um quarto dos indivíduos, no máximo.

Com essas ambiguidades, a agenda pública regional deixa espaço para esvaziar o debate ambiental, coreografando-o com retóricas tão alarmistas quanto carentes de planos executivos.

Dados os custos políticos e financeiros de frear o consumo, mitigar o impacto de nossos estilos de vida, investir em tecnologias verdes e mudar os hábitos para neutralizar a crise climática, será difícil que algum líder regional não veja nesse otimismo inercial, personalização da responsabilidade e inocência parcial de governos e corporações uma oportunidade para ocupar dramaticamente o cenário, mas sem tomar decisões que modifiquem o rumo do problema.

Fabián Echegaray

Cientista político e diretor da Análise de Mercado, consultoria de opinião pública sediada no Brasil

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