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Gustavo Petro diante de uma oportunidade histórica na Colômbia

Ele é um candidato que conseguiu aglutinar quase todos os movimentos, plataformas e formações de esquerda

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Jerónimo Ríos Sierra

Cientista político e professor da Universidade Complutense de Madri

A Colômbia tem sido um dos países com maior tradição conservadora de todo o continente.

Desde a formação de maiorias unicolores, tanto do Partido Conservador (1886-1930) como do Partido Liberal (1930-1945), a frágil democracia colombiana tem-se erguido sobre um sistema bipartidário que, de fato e também de jure, especialmente desde a formação da Frente Nacional (1958), tem restringido qualquer expressão política vinda da esquerda.

A concorrência eleitoral de partidos progressistas na Colômbia começou, stricto sensu, em 1972, com eleições legislativas em que diferentes expressões como o Movimento Obreiro Independente e Revolucionário (Moir), a Frente Popular Colombiana e o Partido Comunista Colombiano, criado em 1930, obtiveram quase 800 mil votos.

Contudo, as sucessivas eleições foram deixando diferentes tentativas de adesão, com sua posterior ruptura, que fizeram com que a esquerda colombiana transitasse sem nenhuma relevância política.

Teve que se esperar o início da década de 1990, e especificamente a aprovação da Constituição de 1991, para que a esquerda tivesse algum tipo de protagonismo, uma vez que, com o conflito armado, em muitas ocasiões esta ficou reduzida à conotação insurrecional que as guerrilhas levantavam a bandeira.

Assim, a ADM-19, herdeira da recém-desmobilizada guerrilha M-19, obteve nas eleições de 1990 um decente terceiro lugar, com pouco mais de 10% dos votos em favor de seu candidato, Antonio Navarro Wolf.

Desde então, as expectativas de uma virada progressista, estimuladas pela desmobilização de vários grupos guerrilheiros ou pela mudança provocada pelo avanço da ordem constitucional de 1991, esbarraram contra a realidade.

A superação da Constituição extemporânea de 1886, embora reconhecendo possibilidades imensuráveis de transformação e modernização de um precário Estado social como o colombiano, consolidou um modelo neoliberal, aberto e desregulador como poucos outros no continente.

Tanto que poucas coisas causaram mais danos à recém-nascida Constituição de 1991 do que o "Consenso de Washington" de 1989.

A violência produzida pelo conflito também fez a sua parte para minar as possibilidades de qualquer vislumbre de progressismo na Colômbia.

Primeiro, na década de 1980, agitando um genocídio político sobre a militância e liderança do partido União Patriótica. Uma formação que surgiu em 1985, após os Acordos de Uribe com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc-EP), e que deveria tornar possível uma transição para a vida democrática de parte da esquerda que aspirava ao sonho da revolução social.

O paramilitarismo, em conluio com agentes do Estado e membros da Força Pública, perpetraram uma violência política dirigida e sistematizada que resultou em milhares de mortes, incluindo a de candidatos presidenciáveis como Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo, e outros como Carlos Pizarro Leongómez (comandante do M-19 e primeiro líder do seu partido político).

Além disso, desde 1993, sob a sigla Autodefensas Unidas de Córdoba y Urabá (ACCU), e desde 1997 como Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), o paramilitarismo atingiu seus níveis mais elevados de violência contra a sociedade.

Ativistas sociais, líderes comunitários e sindicalistas foram sujeitos a uma violência desmedida, resultando em centenas de massacres e vários milhares de mortos.

Qualquer dos anteriores era sinônimo de simpatizantes da guerrilha e por isso, para o paramilitarismo, simplesmente deveriam ser eliminados.

Do mesmo modo, as Farc-EP e o ELN (Exército de Libertação Nacional), com os seus crimes, ações contra a cidadania e envolvimento no narcotráfico durante os anos 1990, acabaram por se desnaturalizar, perdendo qualquer sinal de simpatia pelos setores mais vulneráveis de um país que, como isso não bastasse, encontrava nas guerrilhas um problema adicional, nada trivial, para uma vida de escassez e falta de oportunidades.

A esse panorama se somava um sistema político profundamente corrupto e a serviço das elites tradicionais que tendeu a patrimonializar o Estado e a tecer todo tipo de relações clientelistas, em que a esquerda democrática não podia sequer ter sérias dificuldades para concorrer às eleições com mínimas possibilidades de êxito.

Acontecia o mesmo com outros fatores adicionais, como a proximidade ao código geopolítico estadunidense, a militarização do espaço público provocada pelas políticas de mão dura em matéria de segurança, como foi o caso durante as presidências de Álvaro Uribe (2002-2010), e uma cultura política fortemente paroquial e desinteressada, especialmente nas zonas rurais.

Enquanto tudo isso era justaposto ao longo das décadas, a esquerda democrática estava imbuída de disputas internas e alianças circunstanciais, mais tarde desfocadas por personalismos e desavenças ideológicas.

Do mesmo modo, a mobilização social tendeu a funcionar mais como uma explosão de raiva, e em muitas ocasiões carente de qualquer bússola, porque durante muitas décadas, e desafortunadamente para a esquerda democrática, a guerrilha atribuiu a si mesma o papel de único interlocutor capaz de levantar a bandeira da transformação social por meio do seu confronto com o Estado.

No entanto, os mesmos fatores que há muito têm dificultado a participação eleitoral da esquerda estão agora soprando a favor de uma mudança política.

A assinatura do Acordo de Paz liberou um espaço para a esquerda ao esbater os eixos guerra/paz que durante tanto tempo dominaram a concorrência eleitoral colombiana.

Essa indefinição, que não significa que a violência armada não continue a ser um problema a resolver, permite visibilizar, problematizar e politizar aspectos, problemas e questões de ordem social (habitação, educação, saúde, emprego) que dão um novo significado à proposta programática da esquerda.

Para além disso, embora ainda longe de uma relativa capacidade de estruturação, as mobilizações sociais de 2019 e 2021 contra o governo de Iván Duque mostram também uma mudança de repertório nos mecanismos de protesto e reivindicações políticas utilizados pelos cidadãos.

Uma exigência que, cada vez menos, aceita-se da ideia preconcebida de parte das elites do país em conceber a democracia como algo desprovido de conflito e como uma concessão estrita de direitos.

O conflito social, a capacidade da democracia de institucionalizar esse conflito e a compreensão dos direitos como conquista são um novo aspecto que a cidadania colombiana deve descobrir.

Finalmente, não se pode ignorar que o modelo neoliberal dominante numa ordem constitucional que oferece muitas possibilidades encontra no acima exposto um cenário ideal para lançar luz sobre uma multiplicidade de contradições e tensões que ainda têm de ser resolvidas.

Gustavo Petro, candidato esquerdista à Presidência da Colômbia, discursa em Bogotá
Gustavo Petro, candidato esquerdista à Presidência da Colômbia, discursa em Bogotá - Nathalia Angarita - 6.abr.2022/Reuters

Assim, a esquerda colombiana encontrou em Gustavo Petro, antigo membro do M-19, além de um reconhecido senador e ex-prefeito de Bogotá, o tipo de líder de que necessitava.

Trata-se de um candidato que conseguiu aglutinar quase todos os movimentos, plataformas e formações de esquerda.

Já em 2018, obteve o melhor resultado da história para a esquerda democrática na Colômbia, levando a disputa eleitoral sobre os eixos esquerda/direita.

Agora, quatro anos depois, e liderando o Pacto Histórico Nacional, tem sido a força mais votada no Senado e a segunda mais votada na Câmara de Representantes.

Além disso, a consulta interna que deveria estimular Petro como candidato do partido, e na qual o nome da sua vice-presidente, Francia Márquez –uma mulher negra, advogada, ativista e vítima de violência–, surgiu em cena, foi acompanhada de níveis altíssimos de participação, que nos permitem afirmar que ambas as partes se encontram perante uma oportunidade histórica de conduzir a Colômbia ao primeiro governo de esquerda de sua história.

Esperemos que nada o impeça.

Tradução de Giulia Gaspar

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