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Mulheres migrantes abortam, e seus direitos também importam

Elas devem ter acesso ao aborto em condições seguras, livres de estigmatização, violência e ameaças

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Carolina Moreno

Professora e diretora do Centro de Estudos Migratórios (CEM) da Universidade dos Andes, na Colômbia

Em 21 de fevereiro de 2022, após uma longa espera, a Corte Constitucional da Colômbia emitiu uma decisão tremendamente relevante na luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVE, sigla em espanhol), não só para o contexto local colombiano, mas para a região. Assim, mediante a sentença C-055 de 2022, a Corte decidiu que não há crime de aborto quando a interrupção voluntária da gravidez (IVE) ocorre antes da 24ª semana de gestação.

Embora o texto completo da decisão judicial ainda não seja conhecido, o comunicado de imprensa que expõe os argumentos centrais que motivaram essa decisão é público.

O que a Corte Constitucional colombiana decidiu?

Neste caso, a Corte estudou a demanda apresentada pelo movimento Causa Justa por el Aborto, mediante a qual solicitava a eliminação do crime de aborto do Código Penal, ou seja, que deixasse de ser um crime as mulheres (e pessoas gestantes) abortarem. Embora este não fosse exatamente o sentido da decisão, já que o crime não foi retirado da normativa penal, a Corte estabeleceu que "(...) não se configura crime quando a conduta [aborto] é praticada antes da 24ª semana de gestação (...)".

É oportuno mencionar que este limite temporal não se aplica quando o aborto é realizado sob as três circunstâncias descriminalizadas pela Corte Constitucional em 2006 (sentença C-355 de 2006), ou seja, quando: (i) a gravidez representa um risco para a vida ou saúde da mulher; (ii) há grave malformação do feto ou (iii) a gravidez é produto de violação. Finalmente, a Corte exortou o Congresso e o governo a "formular e implementar uma política pública integral sobre a matéria".

Ativistas celebram em Bogotá decisão da Corte Constitucional da Colômbia que descriminalizou o aborto no país
Ativistas celebram em Bogotá decisão da Corte Constitucional da Colômbia que descriminalizou o aborto no país - Raul Arboleda - 21.fev.22/AFP

Em sua decisão mais recente (2022), o Tribunal deixou claro que o crime de aborto desconhece o direito à igualdade das mulheres em situação de vulnerabilidade, entre elas as mulheres migrantes em situação migratória irregular. É muito significativo que a Corte tenha declarado a existência desta violação do direito à igualdade porque contribui para a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na Colômbia, incluindo as migrantes, independentemente de seu status migratório.

Também é notável o fato de ter nomeado explicitamente as mulheres migrantes na decisão. Isto é assim, não só porque as reconhece como detentoras de direitos, mas também porque o contexto migratório colombiano dos últimos anos é um fator determinante na adoção da decisão.

Quais são as particularidades das mulheres migrantes?

A incorporação da situação das mulheres mais vulneráveis na Colômbia no estudo e decisão deste caso, não só das nacionais, mas também estrangeiras, reconhece e visibiliza uma realidade que não pode ser escondida debaixo do tapete. Isto é, que as mulheres abortam, apesar das múltiplas barreiras que elas têm que superar –entre elas, a penalização, a prisão e a estigmatização.

No caso das mulheres migrantes, elas não renunciam à prática do aborto pelo fato de serem estrangeiras ou, inclusive, se encontrarem em situação migratória irregular na Colômbia. Diferente das mulheres nacionais, as migrantes enfrentam temores dissuasivos adicionais com os quais têm de lidar. Se trata do risco, sempre latente, de ser sujeita a uma sanção migratória como a deportação ou a expulsão, uma angústia própria da experiência migratória, que é ainda mais profunda quando as mulheres se encontram em situação migratória irregular.

Como manifestamos através da Clínica Jurídica para Migrantes e pelo Centro de Estudos Migratórios (CEM) da Universidade dos Andes na intervenção cidadã apresentada à Corte Constitucional, "o que pode iniciar como a solicitação de um serviço de saúde, pode acabar alertando distintas autoridades, judiciais e administrativas, podendo dar início a processos criminais e administrativos contra mulheres e meninas migrantes que acessam à IVE".

Tanto o processo penal quanto o administrativo migratório incidem negativamente nas vidas das mulheres migrantes, que podem acabar sancionadas devido ao enorme estigma ligado ao aborto. A concomitância da pobreza e do status de migração irregular aprofunda a situação de vulnerabilidade das mulheres. Elas se expõem a procedimentos de IVE clandestinos e inseguros, pondo em risco sua vida, saúde e integridade.

Por que esta decisão é importante para as mulheres migrantes?

Esta decisão é um incentivo para todas as mulheres, entre elas as mulheres que tiveram que migrar, muitas vezes em condições adversas e precárias, para suas vidas e viagens migratórias. Também, deve-se dizer, o fato de uma decisão do mais alto tribunal constitucional da Colômbia nomear essas mulheres e reconhecer e incorporar sua situação, tantas vezes marginal e invisível, é de um valor simbólico enorme.

Este efeito simbólico de nomeá-las dá voz às mulheres migrantes e as reconhece como sujeitos de direitos. Acolher e captar a experiência das mulheres migrantes no acesso ao aborto também anima e estimula aqueles de nós que se dedicam à defesa dos direitos dessas pessoas. Portanto, celebro esta decisão e confio que ela será um instrumento útil para a defesa dos direitos das mulheres migrantes e refugiadas, incluindo o acesso ao aborto seguro e legal na Colômbia.

Este reconhecimento que hoje acontece na Colômbia envia sinais claros e importantes aos sistemas jurídicos dos países da região latino-americana, em cujos territórios se movem e habitam as meninas, jovens e mulheres migrantes. Elas devem ter acesso ao aborto em condições seguras, livres de estigmatização, violência e ameaças, caso requeiram.

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