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Como entender o descontentamento social?

Muita política é desenvolvida em si mesma, pensando que a sociedade e o social continuam a se desenvolver de forma imutável

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Diego M. Raus

Diretor da licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús (Argentina) e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires

De forma relativamente inesperada, desencadeou-se nos últimos anos uma intensa mobilização social em grande parte do mundo. Nada novo, exceto as formas e conteúdos desse novo protesto social.

Em cidades e países ao redor do planeta, massivas mobilizações saem às ruas enfurecidas e violentas muitas vezes. Mas o chamativo delas é que são resistentes, permanentes. Começam mas não dão nenhum sinal de quando ou como terminarão. Nem sequer sabemos se irão acabar.

A primeira hipótese para entender essa raiva social é que se trata de um formato de mobilização e protesto que é política em si mesma, mas não se dirige à política.

Ou seja, não tem, nem pretende ter, expectativas de que a política tradicional e representativa dê conta, administre, gerencie ou satisfaça essas demandas, esse descontentamento. Nada é pedido aos sistemas políticos institucionais, porque não se acredita neles. Além disso, são parte do problema, não da solução.

Essa é a razão da raiva, da violência e da suposta anarquia. O descontentamento é dirigido ao sistema, não a uma de suas partes. Portanto, não existe uma solução possível dentro do sistema.

Isso significa que é revolucionário? Sim e não.

Sim, na medida em que quer ir ao fundo da questão, a uma mudança estrutural nas formas políticas de gerenciar a vida. Não, porque não propõe uma ação revolucionária, pelo menos não em termos clássicos, e muito menos constitui um sujeito revolucionário.

Para vastos setores sociais, compostos por idades, gêneros, etnias, classes, culturas, religiões, gostos, percepções e/ou autopercepções sexuais, a relação político-sociedade própria da segunda modernidade, como é conhecido o processo em que a individualização da sociedade atinge sua máxima expressão, chegou ao fim. Não os questiona. Muito menos dialoga com seus imaginários, experiências e expectativas de vida. De formas possíveis de vida.

A segunda tese é, em minha opinião, fundamental por ser fundacional. Já as identidades sociais não parecem configurar as individualidades (objetividades mais subjetividades). São as individualidades (preferências pelos modos de vida) que moldam os coletivos sociais. Nessa mesma base, instável, inesperada e incerta.

Entre a primeira e a segunda hipótese está o fio condutor comum para entender a questão social e, portanto, política atual.

Mas também é necessário definir o combustível desse enojo, a expressão do descontentamento. A própria essência que torna a manifestação da raiva incontrolável. Não há mobilização sem uma razão última, uma razão que contenha em suas diversas formas de expressão o descontentamento da época.

Nesse sentido, a terceira hipótese é que a força essencial que impulsiona a expressão da raiva contemporânea é um incontrolável impulso de liberdade.

Não é a liberdade filosófica do direito natural; não é a liberdade política do desenvolvimento histórico da democracia. É o ressurgimento violento da necessidade da própria liberdade de mostrar as formas de vida preferidas, não negociáveis e incontidas.

É a liberdade de precisar e poder tornar visíveis os sentidos metaforizados em formas e expressões de vida a partir das quais possamos continuar falando sobre o que temos falado durante séculos: justiça, igualdade, direitos.

Emerge um grande descontentamento social. É enojo, e por isso persiste e se torna violento. Uma de suas novidades é que não se dirige à forma como a política costumava resolver os protestos, ou seja, a favor ou contra quem quer que estivesse gerenciando os conflitos.

Parece que esse descontentamento é dirigido a questionar por que alguém/alguma coisa –política institucional– tem que administrar e resolver conflitos. É dirigido à legitimidade da política institucional contemporânea para falar em representação dos atores e das pessoas sociais. "Não falem mais por nós. Sempre fazem isso mal".

A sociologia contemporânea tem um campo novo, amplo e necessário para tentar decodificar as novas formas do social. A política contemporânea tem a obrigação de olhar para a sociedade, suas novas expressões, suas novas formas de organização e de ação coletiva, constituição de demandas, novas subjetividades, percepções do dever ser da vida humana em sociedade.

Dizer que a política tem que olhar para a sociedade e seus movimentos parece óbvio.

A questão é que muita política é feita e desenvolvida em si mesma, sem olhar para o social ou, pior ainda, pensando que a sociedade e o social continuam a se desenvolver de forma imutável.

Tradução de Giulia Gaspar

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