Latinoamérica21

www.latinoamerica21.com é uma mídia pluralista comprometida com a disseminação de informações críticas e verdadeiras sobre a América Latina.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Latinoamérica21
Descrição de chapéu LATINOAMÉRICA21 América Latina

Cúpula das Américas: quais são os critérios para ser convocado

O estabelecimento de uma agenda e a definição da lista de convidados e sua classificação são mecanismos sutis de poder

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Manuel Alcántara

Professor de ciências políticas na Universidade de Salamanca e autor de 'El oficio de político'

Articular as relações entre os estados é um tema antigo. Na modernidade, Kant e outros lançaram as bases de uma suposta ordem que estivesse configurada pela razão. Assim, o direito teve lugar e começou a estabelecer uma série de princípios que se projetaram em instituições.

A ação delas, juntamente com a constante interpretação de decisões cada vez mais complexas, constituiu gradualmente um certo tipo de ordem que inevitavelmente convivia com uma realidade que nem sempre era a definida pelas regras. Mais ou menos desde Vestfália (1648), este tem sido o caso.

As independências americanas quase coincidiram com a maturidade precoce dessa ordem de ideias, de modo que o Congresso do Panamá, convocado por Simón Bolívar em 1826, foi o genuíno representante de uma proposta de união ou confederação dos novos estados americanos que, apesar de um adequado planejamento teórico, foi fadada ao fracasso.

A história é bem conhecida desde então, com uma sucessão de frustradas tentativas de ordem muito diversas. Sua natureza variada, às vezes dominada pela sub-região, outras pelo econômico e algumas por uma simples tentativa de coordenação temática, não foi impeditivo para assegurar o caminho do êxito.

A cadeia de siglas a partir da década de 1960 é abundante: Alalc, Aladi, Sela, Caricom, CACM, Pacto Andino (Comunidade Andina), Mercosul, Unasul, Celalc...

A essas se unem as da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma organização que assumiu diferentes iniciativas e atividades desde finais do século 19 e que foi estabelecida em Bogotá em 1948, quando a nona Conferência Internacional dos Estados Americanos assinou sua carta fundadora.

Instalada no início da Guerra Fria e sob a tutela dos Estados Unidos, que ofereceu a cidade de Washington como sede e comprometeu uma suculenta parte de seu orçamento, a OEA foi vista como um dispositivo inquestionável da hegemonia norte-americana sobre a região.

O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa em Washington, gesticulando com a mão direita; ele usa camisa social branca, paletó azul-escuro e gravata azul-clara
O presidente dos EUA, Joe Biden, é o anfitrião da Cúpula das Américas, que será realizada de 6 a 10 de junho - Saul Loeb - 1º.jun.2022/AFP

Esse aspecto foi reafirmado após o êxito da revolução cubana e a expulsão de Cuba da OEA em 1962, porque "a adesão de qualquer membro ao marxismo-leninismo é incompatível" com o próprio sistema interamericano, e três anos depois, quando a organização deu carta branca à intervenção militar norte-americana na República Dominicana.

A OEA definhou durante anos, mas em 11 de setembro de 2001 deu um passo gigante ao aprovar em Lima a Carta Democrática Interamericana. Seu primeiro artigo proclamou o direito dos povos das Américas à democracia e a obrigação de seus governos de promovê-la e defendê-la. Essa não era uma questão trivial, pois exigia precisão conceitual em relação a um termo complexo.

O terceiro artigo enfatizava o compromisso, afirmando como "elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao estado de direito; a realização de eleições periódicas, livres e justas baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo; o regime plural de partidos e organizações políticas; e a separação e independência dos poderes públicos".

Uma aposta consonante com os avanços da política na região após ter deixado para trás as transições para a democracia, bem como uma declaração de intenções do que não se queria que fosse o futuro.

Entretanto, estava em desacordo com as nuances que desde a ciência política estavam sendo introduzidas em torno de uma nova linha de estudo que defendia a existência de diferentes graus de "qualidade" de democracia ou mesmo a necessidade de distinguir entre "variedades" da democracia.

A Cúpula das Américas, que será realizada de 6 a 10 de junho em Los Angeles, proporcionará uma nova oportunidade para repensar o estado da questão.

Vista aérea do centro da cidade de Los Angeles (EUA); há prédios ao fundo e carros em tráfego intenso
Los Angeles, na costa oeste dos EUA, abrigará a Cúpula das Américas deste ano - Mario Tama - 4.abr.2022/AFP

Ela teve origem em Miami, em 1994, quando Bill Clinton convocou a primeira, que teve como resultado a tempestuosa iniciativa da Área de Livre Comércio das Américas. Era uma época de consolidação da democracia e de extensão do neoliberalismo.

Embora o patrocínio dos Estados Unidos seja primordial, Donald Trump não participou da reunião de 2018, em Lima.

No período que antecede a atual reunião, deixando de lado o assunto não menos importante relativo ao papel do componente democrático dos regimes políticos dos países convocados, há pelo menos três tipos de grandes perguntas que vêm iluminando o debate.

Respondem a questões gerais que estão profundamente interligadas: quem convoca, quais são os critérios para ser convocado, e qual é o propósito?

O estabelecimento de uma agenda e a definição da lista de convidados e sua classificação são sempre mecanismos sutis de poder que ocorrem em qualquer convocação plural.

Se se estabelece como princípio o de não excluir ninguém, não é também necessário definir quem é alguém? Se se reivindica a não interferência em assuntos internos, significa que há assuntos que são vedados na hora de estabelecer a agenda?

A casuística com suas implicações é sempre diferente; não há dois cenários iguais devido ao peso do passado e ao tamanho dos atores. Não é igual o impacto do anticastrismo, historicamente incrustado na política norte-americana fazendo de Cuba um assunto doméstico, e os condicionantes do setor petrolífero com respeito ao caso venezuelano.

Diante dessas duas disputas cuja importância é notória, a questão nicaraguense perde relevância.

Não são semelhantes as razões do presidente brasileiro, envolvido em um processo eleitoral no qual pode enfrentar o encarceramento, e as do opróbrio presidente guatemalteco, com sua permanente manipulação do sistema de justiça.

Também são muito diferentes as preocupações do presidente norte-americano, imerso em uma severa crise econômica e com uma liderança enredada na guerra do leste europeu.

Quanto ao México, suas décadas de introspecção regional pesam um passado imediato que o atual presidente quer reconstruir com uma renascida vocação americana.

Diante dos fracassos anteriores e do turvo preâmbulo para a próxima cúpula, é imperativo construir uma nova lógica de interação.

Nesse sentido, vale a pena lembrar o que aconteceu em 2007, no âmbito das Cúpulas Ibero-Americanas, quando o chefe muito pouco edificante do Estado espanhol exortou o implacável presidente venezuelano que se calasse.

Esse, que estava exercendo sua liberdade de expressão, havia chamado o chefe de governo espanhol anterior de fascista.

O incidente teve seu lado positivo: o diálogo livre em um fórum do qual ninguém foi banido.

Se hoje somos confrontados com questões trágicas ligadas à emigração, ao desastre do meio ambiente e ao crime organizado que demandam colaboração transnacional, não é o momento de abrir espaços de diálogo em que os participantes estejam sujeitos ao escrutínio alheio?

Tradução de Giulia Gaspar

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.