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Democracia anormal

Perdemos o consenso sobre o significado da democracia

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Alberto Ruiz Méndez

Alberto Ruiz Méndez é doutor em filosofia e professor na FFyL, UNAM, Universidad Anáhuac México e na Barra Nacional de Advogados no México

Nossa época é de uma democracia anormal. Alguns pensam que basta um retorno a uma certa normalidade política para que o rumo da democracia volte ao seu curso normal; outros pensam que chegou o momento de criar algo diferente ou radical. Talvez não tenhamos percebido que, de um lado ou de outro, eles não estão mais falando sobre a mesma forma de governo quando dizem "democracia".

Tanto acadêmicos quanto forças políticas concordam que a democracia está em crise. Para os atores políticos, a origem da crise ou está naqueles que governam (como a concentração do poder na Nicarágua ou na Venezuela) ou naqueles que procuram tirar o poder deles —no México, por exemplo, o discurso presidencial insiste que os "conservadores" estão impedindo a transformação do país.

Embora os acadêmicos tenham identificado três fatores que ameaçam a democracia (a saber, impulsos autoritários, populismo e tendências iliberais), a diversidade de ideias e conceitos que foram cunhados para explicar a atual crise revela a complexidade que ela encerra. Neste sentido, a partir do termo clássico "democracias delegativas" podemos encontrar, entre outros aspectos, democracias cansadas, débeis, iliberais, autoritárias, frágeis.

"Barraca da Democracia" vende camisetas de Lula, Bolsonaro, Ciro, Dória e Moro no Catete, no Rio de Janeiro - Arquivo Pessoal

Mas qual democracia está em crise? A normal, ou seja, essa forma de governo sobre a qual houve acordo sobre seus princípios básicos (liberdade individual e igualdade política) e sobre suas instituições representativas que tornam realidade a vontade popular expressa através do sufrágio universal.

A democracia normal é aquela que foi consolidada após a Segunda Guerra Mundial acompanhando o estado de bem-estar social e que mantém seus princípios básicos no subsequente estado neoliberal global.

Na democracia normal, o "quem" e o "como" formam um consenso. O "quem" da democracia era o mais amplo número de cidadãos caracterizados por suas liberdades e seu direito à participação política através do "como", ou seja, aqueles procedimentos que lhes permitem participar da tomada de decisões coletivas, por exemplo, as eleições. As campanhas eleitorais se dirigiam à cidadania, mas hoje isto mudou, pois o "quem" está em disputa.

Tanto se se apresentam como oposição como se são parte do governo, os atores políticos deixaram de ter consenso sobre o "quem" democrático. Na atualidade, quando esses atores dizem "mexicanos", "colombianos", "chilenos" e não dizem "cidadãos", eles querem dizer "povo", isto é, uma entidade fragmentada da cidadania sobre a qual buscam legitimar seu acesso ao poder mediante isso que chamam de democracia, ou seja, as eleições.

Na democracia normal, o poder é um lugar vazio que buscava ser ocupado por forças políticas que "representam" os cidadãos, ainda que seja de forma parcial. Na anormal, o poder é um espaço esvaziado dessa representação e que os partidos políticos procuram preencher com uma parte do todo. Na democracia anormal, o discurso político faz dessa parte (os pobres, os nacionais, os excluídos, os ofendidos) a única parte legítima para tomar decisões coletivas.

Muitos não perceberam que isto significa o desaparecimento do consenso sobre o que devemos entender por democracia. Mas esta tornou-se tão longa que para os populistas basta o apoio (legítimo, por certo) de seu povo para chegar ao poder, enquanto que para alguns autoritários basta o sustento das forças políticas e sociais corretas para manter-se no poder. Não é mais necessário falar de direitos, liberdades ou participação; basta dizer "eleições", "patriotas" ou "povo" para falar de democracia.

Erramos ao acreditar que para explicar a atual crise democrática, devemos pensar na democracia formada por um núcleo que, se alterado, implica em sua degeneração. Mas se a solução é voltar à democracia normal, isso implicaria fechar as portas para a denúncia de exclusões e injustiças legítimas, pois existe efetivamente um "povo" que foi ignorado pelo consenso hegemônico da democracia normal.

Alguns atores políticos se aproveitaram disso, através da polarização e da fragmentação, para desfigurar a democracia. Sob a bandeira de seu "povo", eles não conseguem entender que sem limites ao seu poder não haverá democracia. Portanto, não podemos deixar de denunciar suas ameaças, mas enquanto pensarmos que um retorno à democracia normal é a solução, não saberemos como lidar com essas ameaças.

A ideia de democracia anormal, isto é, a ideia de que perdemos o consenso sobre o significado da democracia, e sua disputa sobre "quem", é uma oportunidade de atacar as velhas desigualdades através de novos poderes.

A ideia da democracia anormal procura enfatizar o fato de que a democracia, seus valores e instituições, é o resultado de suas contestações. Nos encontramos nesse ponto: mais vale saber como transformá-la, para não perdê-la.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar

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