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Mães de filhos desaparecidos no México são invisibilizadas

Hoje em dia, pouco se fala daqueles que desapareceram

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Ernesto Hernández Norzagaray

Professor-pesquisador da Universidade Autônoma de Sinaloa (México). Doutor em Ciência Política e Sociologia

O vídeo de uma mãe seminua na esplanada do Zócalo, na Cidade do México, carregando uma faixa escrita onde clama por justiça pelo desaparecimento e morte de um filho, faz com que o Dia da Mãe, ancorado na tradição mexicana e celebrado a cada 10 de maio, assuma uma dimensão que reflete a dor sofrida por milhares de famílias que buscam ineficazmente seus desaparecidos entre os mais de 90 mil casos que se acumularam desde 2006, como informou recentemente o subsecretário Alejandro Encinas.

A convocatória dos grupos de mães com filhos e filhas desaparecidos para fazer desta data um dia pela dignidade e contra a incapacidade dos três níveis de governo de resolver o problema encheu as principais praças e avenidas do país.

De Chiapas a Baja California, muitas cidades do país foram palco de protestos de dezenas de milhares de cidadãos que não aceitam a realidade que seus filhos sofreram, muito menos deixar de exigir justiça aos governantes.

Recentemente faleceu Rosario Ibarra de Piedra, talvez a figura mais emblemática desta demanda iniciada nos anos 1970 com a Guerra Suja, quando centenas de jovens que lutavam com armas nas mãos por um México mais democrático foram detidos e muitos deles desapareceram para sempre.

Rosario Ibarra de Piedra, em 2001, então líder do Comitê Pró-defesa de Presos, Perseguidos, Desaparecidos e Exilados Políticos no México - AFP

Jesús Piedra, seu filho, nunca apareceu, tampouco seus restos mortais, que provavelmente repousam em uma das sepulturas clandestinas que povoam a paisagem nacional ou nas águas de um de nossos mares.

Mas Rosário nunca abandonou a busca por seu filho, e sua liderança na luta pelos desaparecidos foi tal que ela chegou a ser candidata à presidência em 1982 e 1988 pelo Partido Revolucionário dos Trabalhadores, e foi até mesmo nomeada em quatro ocasiões para o Prêmio Nobel da Paz.

Rosario Ibarra de Piedra sempre procurou colocar a questão dos desaparecidos durante a chamada Guerra Suja no centro da agenda pública. Chegou inclusive a ser senadora da República e, mais tarde, ao receber em 1989 a medalha Belisario Domínguez, sua filha enviou uma mensagem e este tão simbólico reconhecimento permaneceu sob a custódia do presidente López Obrador como um gesto de sua luta inabalável.

Hoje em dia, pouco se fala daqueles que desapareceram. Além do fato de alguns desses lutadores fazerem agora parte do governo, incluindo a própria filha de Rosario Ibarra, há uma nova geração de desaparecidos, não por causa da luta contra o neoliberalismo, como o presidente López Obrador costuma pontificar, mas por causa do papel cada vez mais proeminente do crime organizado, que conseguiu submeter governos e serviços de segurança.

E aí estão, como resultado, as imagens desta semana de subjugação e perseguição vergonhosa de militares por parte de grupos criminosos, enquanto se multiplica o número de desaparecidos e de homicídios dolosos em todos os cantos do país.

Enquanto isso, o presidente decidiu não dar a cara perante as mães dos filhos e filhas desaparecidos, seguindo a tática "a quem eu não vejo nem ouço", que Carlos Salinas aplicou em seu momento contra seus adversários políticos, especialmente os do PRD.

Será que o presidente criou uma realidade paralela para si mesmo? Salinas e outros presidentes também fizeram isto e, como este tipo de representação tem suas fixações, códigos, interlocutores e verdades, tudo que saia deste marco é ignorado ou se reduz a uma mensagem rotineira, como a que a Obrador emitiu em 10 de maio. Ali parabenizou as mães e "...aqueles que sofrem por seus filhos, por seus desaparecidos" e depois voltou imediatamente à rotina de suas conferências matutinas, insumo paradoxo do jornalismo oficial.

E é essa propaganda política que acaba compensando o imaginário obradorista e se converte em um insumo da acrítica, submissão, fanatismo e falta de solidariedade contra todos aqueles que, como as mães de filhos desaparecidos, tocam em pontos sensíveis que afetam seu governo.

E que sejamos claros, os bons governos fazer o que manda a lei e sabem que sua aplicação está sujeita à prestação de contas e, para isso, não necessita de incentivos políticos. Mas nos casos em que prevalece a ideia de que "não me venham com que 'a lei é a lei'" e essa, se ratifique em apoios sociais e políticos, como hoje proliferam as pesquisas de intenção de voto, o que forçaria o governo a mudar seu rumo, incluindo a falta de atenção às vítimas? Nada.

Há antecedentes de governos que se viram obrigados a mudar suas agendas diante da realidade. Aí está o movimento de 1968 que levou à liberalização do regime político, a fraude de 1988 que acelerou as reformas eleitorais institucionais provocando a criação do IFE (Instituto Federal Eleitoral), ou o movimento zapatista que levou ao reconhecimento dos direitos dos povos originários.

Entretanto, os movimentos como o das mães com filhos desaparecidos, que colocam em apuros os governos que estão sob perseguição e controle do crime organizado, não conseguiram implementar novas políticas públicas e orçamentos. Estes movimentos não são atendidos por um estado democrático que deveria evitar imagens como a da mulher que, num ato de desespero, tirou suas roupas na praça principal do país para visibilizar seu drama, o drama das mães de filhos e filhas desaparecidos.

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