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O desafio de desmontar o Trump colombiano

Segundo turno da eleição presidencial tem candidato do chamado 'populismo de direita' que vende a ilusão de mudança

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​Esteban Caballero

Cientista político, ex-diretor regional para a América Latina e o Caribe do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)

Ao subir ao palco do Hotel Tequendama, em Bogotá, o senador Gustavo Petro parecia seguro de si.

Lembrou-nos Jean Luc Melenchon, quando subiu ao palco para festejar a excelente performance que quase o levou ao segundo turno das eleições presidenciais francesas.

A partir daí, a "France Insoumise" passou a ser o centro de gravidade da nova coalizão de esquerda chamada Nova União Popular, Ecológica e Social. Cabe agora ao Pacto Histórico desempenhar um papel de convocação, mas com sua visão voltada para o centro.

Em seu discurso de vitória, Petro deu várias mensagens que iam na direção de convocar um pacto social mais amplo, conjugando dois termos chaves: "justiça social" e "estabilidade".

Assim, o candidato delineou uma proposta de investimento social inclusivo, baseado em uma política tributária redistributiva, que permita melhorar as condições de vida dos mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, contribua para a estabilidade e prosperidade econômica do país e da sociedade como um todo.

Norberto Bobbio, em "Direita e Esquerda", aborda a ainda persistente discussão sobre as direitas e esquerdas na política e introduz o conceito de "terceiro inclusivo". Descreve-o como uma alternativa que vai "além dos dois opostos [direita e esquerda], englobando-os em uma síntese superior".

Em uma Colômbia polarizada, esse "terceiro inclusivo" pode e deve ser Petro.

Sorrindo, Gustavo Petro, candidato da esquerda na eleição para a Presidência da Colômbia, faz com as mãos o formato de um coração em encontro com pessoas deficientes em Bogotá; ele usa óculos, sua camisa é vinho e o paletó é azul escuro
Gustavo Petro, candidato da esquerda na eleição para a Presidência da Colômbia, participa de encontro com pessoas deficientes em Bogotá - Luisa Gonzalez - 8.jun.2022/Reuters

Não são poucos os analistas que consideram que dois candidatos "antissistema" ganharam, o que conspira contra a ideia de Petro ser visto como um ator articulador. Embora ele seja um ator "não tradicional", conhece e tem experiência no manejo do "sistema" político colombiano.

O fato de ter sido um constituinte e seu consequente apego à Constituição de 1991 dão um forte sinal de seu compromisso com o marco institucional do país.

Petro foi senador, conselheiro e prefeito da capital. Além disso, seu partido político, o Pacto Histórico, terá uma importante bancada na próxima legislatura.

Ou seja, seu discurso de "terceiro inclusivo" é complementado pelo conhecimento, experiência e peso político para chegar a transformar alternativas em consensos políticos.

Isso o diferencia profundamente de seu oponente, que não tem nem discurso, nem presença política, nem experiência, nem conhecimento.

Existem, no entanto, certos desafios.

O Pacto Histórico foi construído com uma forte base nos movimentos sociais. Estes conformam a plataforma que a sustenta em última instância. Portanto, seu chamado à justiça social não pode ser menosprezado nem posto em dúvida pelos seguidores.

Não esqueçamos que um dos significados do fenômeno Petro como alternativa é o deslocamento da segurança como uma questão central, uma marca do uribismo, para a priorização da inclusão social, sobretudo dos jovens, como legado dos protestos sociais.

Mas tal deslocamento não tem motivo para estar em conflito com o país do setor privado, do mercado e do empreendedorismo.

Em teoria, esse desafio não deveria ser tão difícil de superar, se não fosse pela confusão, pelos preconceitos e pelas más intenções.

A questão é insistir que Petro não representa uma "esquerda radical". É o contexto político-social do país e da região que o torna "radical".

Como o candidato disse em várias entrevistas, em um contexto como o europeu, é provável que suas propostas sejam enquadradas dentro do arco social-democrata ou mesmo um tipo de liberalismo progressista. E, nesse sentido, ele repetiu várias vezes que não vai "expropriar".

Ao contrário das tentativas fracassadas da coalizão do centro, que tentou atrair a esquerda e a direita para uma nova proposta, é a vez de Petro puxar o centro e a direita para uma compreensão mais completa dos desafios que o país enfrenta, a partir de uma perspectiva progressista.

A questão é desmantelar um estado de negação, em que os setores favorecidos pelas forças políticas tradicionais não internalizam o fato de que a Colômbia deve reduzir os níveis de desigualdade, que não pode seguir com o mesmo modelo extrativista e que não pode continuar ignorando sua pluralidade.

Construir um país sem setores invisíveis da população, "os ninguéns", como a candidata à vice-presidência Francia Márquez os chamou.

Sem dúvida, o desafio mais óbvio e imediato que Petro tem é que ele enfrenta um adversário diferente.

De camisa branca, calça jeans e chapéu, Rodolfo Hernández, rival de Gustavo Petro no 2º turno da eleição colombiana, é cercado por apoiadores em visita a Malecón del Rio, em Barranquilla; ele sorri e tem à sua esquerda um policial que faz a sua proteção e à sua direita uma mulher que segura seu braço; ambos usam máscara de proteção contra a Covid
Rodolfo Hernández, rival de Gustavo Petro no 2º turno da eleição colombiana, é cercado por apoiadores em visita a Malecón del Rio, em Barranquilla - Charlie Cordero - 8.jun.2022/Reuters

Estava preparado para competir com "Duque 2", mas surgiu uma versão colombiana de Bolsonaro-Trump, que se deslocou do Facebook e do Twitter para o TikTok e que tem dois adereços muito conhecidos na região, o discurso anticorrupção e antipolítica.

O primeiro é altamente relevante e, sem dúvida, uma prioridade para a mudança. O segundo é mais complicado.

Petro conseguiu captar a ira do povo com respeito às elites políticas, e parte de seu êxito está em ter a capacidade de ocupar esse espaço diferenciador.

A direita vai tentar tirar-lhe esse posicionamento, optando pelo candidato do chamado "populismo de direita" que vende a ilusão de mudança.

O fator central será comunicacional e, de um ponto de vista racional, o candidato Rodolfo Hernández é efetivamente um "salto para o vazio".

Entretanto, o uribismo, os partidos tradicionais e setores do empresariado o apoiarão, mesmo sabendo que ele colocará em perigo as instituições democráticas.

Nesse curto espaço de tempo, Petro deve continuar insistindo que é ele quem representa a verdadeira mudança e que oferece um compromisso real com a institucionalidade, ressaltando sua experiência no manejo do sistema.

Mas acompanhado por uma engenhosa e picante estratégia de comunicação nas redes para perturbar o Trump colombiano.

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