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O Equador e a nova lei sobre o uso legítimo da força

Administração do presidente Lasso procura posicionar a ideia de que agora haverá 'mão dura' contra 'os delinquentes'

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Carina Vance

Mestre em saúde pública pela Universidade da Califórnia, Berkeley

No dia 7 de junho, a Assembleia Nacional do Equador aprovou por maioria absoluta a lei sobre o uso legítimo da força.

Segundo diversos analistas, a nova lei "não muda nada" ou mesmo "melhora as coisas" em termos do uso progressivo da força e do respeito aos direitos humanos em relação à lei atual.

Para além do debate sobre a eficácia da nova lei, acredito que o seu verdadeiro propósito não é mudar a norma, mas enviar uma mensagem.

Para a polícia e os militares, a mensagem é a de que a lei os protege caso cometam excessos.

De fato, a lei foi proposta após reiterados pedidos de autorização para se fazer um maior uso da força, que exibiram de forma sangrenta em outubro de 2019, especialmente na cidade de Quito.

Diz-se que com a nova lei os direitos das polícias e militares serão finalmente respeitados. Suas mãos não estarão mais "amarradas" diante do crime.

Para os cidadãos, a mensagem é a de que agora a insegurança será tratada de forma eficaz.

O atual governo equatoriano está trabalhando com uma estratégia de comunicação segundo a qual os atuais problemas de segurança do país são devidos a supostas ligações entre "correísmo" e máfias do tráfico de drogas.

Entretanto, segundo o Observatório de Homicídios do Instituto Igarapé, no período de 2008-2017, ou seja, durante o governo de Rafael Correa, o país registrou avanços históricos em termos de segurança, posicionando-se como um dos destinos mais seguros da América Latina.

Porém, na contramão dessa tendência, nos últimos seis anos a taxa de homicídios dobrou, com quase 400 mortes nas prisões do país.

Como resultado, a perversidade da violência experimentada pelo país atingiu níveis inimagináveis, a ponto de a população hoje ter medo de sair de suas casas.

Nesse contexto, no qual os roubos violentos aumentaram, a administração do presidente Guillermo Lasso procura posicionar a ideia de que agora haverá "mão dura" contra "os delinquentes".

Alguns analistas governistas, contra todas as evidências, argumentam que a atual situação de insegurança se deve às políticas implementadas durante o chamado governo da Revolução Cidadã.

A partir dessa narrativa, a lei simboliza um "virar de página" para que o Equador possa finalmente se recuperar dos supostos males do "correísmo" que desencadearam a escalada da insegurança vivida no país.

Nesse contexto, o apoio majoritário à lei sobre o uso legítimo da força pelo bloco legislativo da União pela Esperança (Unes), formado pela Revolução Cidadã, acaba parecendo um "mea-culpa".

Após a aprovação da lei, e em resposta a perguntas sobre seu apoio a ela, os porta-vozes da Unes indicaram que não querem "dar desculpas" ao presidente Lasso por não combater efetivamente a insegurança.

No entanto, o que aconteceu é que eles não tiveram a capacidade política de contrariar efetivamente a rede que foi criada contra o "correísmo".

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, que tem cabelos curtos grisalhos e usa óculos, terno escuro e gravata lilás, chega à Cúpula das Américas, em Los Angeles
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, na chegada à Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles (EUA) - Lucy Nicholson - 8.jun.2022/Reuters

Essa lei terá algum efeito sobre as taxas de insegurança? De acordo com dados de instituições como a Cepal, não.

O que poderia ter um efeito sobre a violência seria reduzir os índices de pobreza em que a população está imersa e a desesperança de uma grande parte da juventude equatoriana.

Atualmente, temos um sistema educacional desmontado, educação técnica e tecnológica destruída, jovens entrando nas universidades com conta-gotas e uma população faminta.

Essas são as consequências das políticas neoliberais dos governos Moreno e Lasso, somadas a um complexo contexto global marcado pela pandemia de coronavírus, a crise econômica e a guerra na Ucrânia.

Além disso, de acordo com organizações como o Fórum de Profissionais Latino-americanos de Segurança, os países que aplicaram políticas de mão dura não conseguiram reduzir a criminalidade.

O que reduzirá as taxas de insegurança e violência é aumentar o orçamento público bem investido em um sistema de reabilitação social.

Ao contrário de uma abordagem social e de direitos humanos, que é imperativa em situações como as vivenciadas pelo Equador, temo que essa lei irá fortalecer as forças da "lei e ordem" e aumentar as violações dos direitos humanos contra pessoas definidas como "criminosas" ou "narcos", e até mesmo contra todos aqueles que se engajam em protestos sociais ou se opõem às políticas governamentais.

O Equador já viveu duros momentos de violações e abusos pela polícia, com casos como o desaparecimento dos irmãos Restrepo durante o governo de León Febres Cordero.

Diante dos atuais níveis de insegurança do país, muitos acreditam que "os direitos humanos são para os humanos direitos", uma postura aberrante, mas que é cada vez mais percebida e que chega a gerar alegria entre alguns cidadãos a cada novo massacre nas prisões.

Nesse contexto, deve-se observar que o presidente Lasso assinou recentemente um acordo de cooperação com Israel em matéria de segurança e, no âmbito da Cúpula das Américas, propôs ao presidente dos EUA a implementação de um "Plano Equador" no estilo do "Plano Colômbia", que durante duas décadas contribuiu para o derramamento de sangue naquele país, sob o pretexto da luta contra as drogas.

No Equador, os abusos dos direitos humanos já estão sendo cometidos pelas "forças da lei e da ordem". O que nos espera agora com esse sinal inconfundível de que a "ordem do Estado" se intensificará?

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