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O que representa Rodolfo Hernández, o outsider colombiano?

Rival de Gustavo Petro na eleição personifica o país patriarcal e autoritário e também o país anticorrupção e antidesigualdade

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Carlos Andrés Ramírez

Professor no Departamento de Ciência Política da Universidade dos Andes (Bogotá) e doutor em filosofia pela Universidade Ruprecht-Karls Heidelberg (Alemanha)

Uma lição do primeiro turno da eleição presidencial é que a maioria dos colombianos prefere qualquer coisa –literalmente qualquer coisa– ao continuísmo.

Federico "Fico" Gutiérrez, o candidato do governo, os clãs e a "maquinaria" mais pesada foram, portanto, castigados sem piedade. Como Sergio Fajardo nunca soube encarnar o espírito de mudança, seu fracasso foi estrondoso e, claro, merecido.

Ficaram então Gustavo Petro e Rodolfo Hernández. Ambos, à sua própria maneira, são a mudança. Após as eleições, e em vista do difícil cenário para o segundo turno do petrismo, agora muitos querem ver no "Rodolfo" o plano C do uribismo e um cenário simples, mais uma vez, da esquerda contra a direita.

Creio que estão errados. Deixe-me explicar.

Hernández pode agora receber o apoio do uribismo. De fato, já recebeu a bênção de Paloma Valencia e María Fernanda Cabal. Sem dúvida, o uribismo jogará pelo "Rodolfo". Isso não significa, entretanto, que Hernández seja, desde o início, uma soterrada ficha uribista. Faltam-lhe vínculos muito mais orgânicos com essas redes e seus recursos.

Outdoor em Bucaramanga mostra o candidato à Presidência da Colômbia Rodolfo Hernández, sorrindo e apontando o dedo indicador da mão direita para a frente
Outdoor em Bucaramanga mostra o candidato à Presidência da Colômbia Rodolfo Hernández - Raul Arboleda - 5.jun.2022/AFP

O governo uribista se mobilizou, com total descaramento, a favor de Fico e nunca de Hernández. Na sua linguagem de grande estadista, este último se referiu a Iván Duque, entre outros pesados pronunciamentos, como "esse filho da... que nos arruinou".

Seus votos são, em grande parte, contra a corrupção de um governo uribista. A ficha da continuidade era o medíocre Fico e já saiu do tabuleiro. A mensagem de "Rodolfo", sincera ou não, tem muito de "antiestabelecimento" e, devido a sua origem regional, "anticentralismo" e "antielitismo". Por tudo isso, chegou aonde chegou.

O fato de que agora, no cenário do segundo turno, Hernández deva voltar-se como amigo dos inimigos de seu adversário não basta para rotulá-lo de ter sido já o que provavelmente chegará a ser em um futuro imediato. A boa notícia de 29 de maio, abstraindo os novos capítulos dessa história, é que o uribismo, e todo o "establishment", sofreu uma fulminante derrota eleitoral.

Os 14 milhões e meio de votos para Petro e Rodolfo são votos contra um projeto hegemônico e uma forma de fazer política que estão extremamente desgastados. As maiorias estão fartas da direita uribista e das "maquinarias".

Dito em poucas palavras: uma coisa é como "Rodolfo" terá que se alinhar tacitamente com o que dizia odiar para poder ganhar, e outra coisa é porque é ele, e não Fico, que se tornou o concorrente de Petro. Hernández, para os eleitores, representa uma mudança em relação ao projeto da direita uribista.

Agora, dado que "mudança" é um termo neutro com múltiplas direções possíveis, a questão é o que poderia significar para os apoiadores de Hernández e como descrever esse personagem pitoresco no espectro ideológico. Algumas distinções conceituais são relevantes aqui.

Em seu batido livro à direita e à esquerda, Norberto Bobbio introduz uma distinção útil entre dois tipos de centro: o centro como "terceiro incluído" e como "terceiro inclusivo".

O primeiro representa o fajardismo com seu "nem um nem o outro". Aqui o centro é definido como "terceiro" devido à sua equidistância dos extremos ou à sua "tibieza". O segundo é o centro como uma "síntese" dos dois com seus "tanto um como o outro".

Hernández, do meu ponto de vista, encarna esse último tipo. "Rodolfo" representa, por um lado, o país patriarcal e autoritário e, por outro, o país anticorrupção, pró paz e antidesigualdade que, de mãos dadas, agora, com um empresário astuto, pretende colocar-se em dia com sua dívida social.

Não se trata aqui de explorar a neutralidade, mas de integrar os extremos. A tarefa fica a cargo de uma velha "raposa", cantoneira, vulgar, populista e, pelos padrões colombianos, "bonachón".

Se olharmos, por exemplo, para a história e os ideólogos da revolução conservadora na Alemanha pré-Hitler, descobrimos que não se tratava, simplesmente, de movimentos de direita.

As atitudes "red-baiting" e a ideia do "nacional-bolshevismo", representadas por autores como Moeller van den Bruck, Ernst Niekisch ou Karl Otto Paetel, visavam sem dúvida esmagar o comunismo de uma perspectiva autoritária e nacionalista, mas ao mesmo tempo saudavam a mobilização popular e, acima de tudo, suas demandas por justiça social

A denominação oficial do nazismo, a saber "nacional-socialismo", revela essa hibridização da direita e da esquerda dentro do culto antielitista do "povo". "Das deutsche Volk...", Hitler gritou repetidamente. Tratava-se novamente do centro como o "terceiro superior" ou "inclusivo".

Não estou argumentando aqui algo tão insensato como que Rodolfo Hernández é um nazista, mas sim que seu comportamento, a diferença do mundo dicotômico de certo petrismo, não é simplesmente de direita.

Talvez quando Hernández alegou ser um "seguidor" do "grande pensador alemão Adolf Hitler" (e logo pediu desculpas com a estranha desculpa de que estava pensando em Einstein), estava inconscientemente revelando sua vaga intenção de amalgamar, em chave colombiana, as virtudes da esquerda e da direita.

Voltando ao ponto: a mudança, em termos de "Rodolfo", é a integração da mentalidade autoritária-patriarcal com elementos de uma agenda progressiva e (discursivamente) antielitista por meio da "habilidade gerencial".

Soa estranho, mas não é inverossímil. Parece improvável, mas o improvável também é real. A coerência ideológica não é um critério importante para desejos coletivos efetivos. O que é importante, nesse contexto, é condensar desejos.

Gustavo Petro, candidato a presidente na eleição na Colômbia, apoia o rosto na mão esquerda; ele usa óculos
O esquerdista Gustavo Petro, adversário de Rodolfo Hernández no 2º turno da eleição presidencial na Colômbia, em visita ao Congresso, em Bogotá - Luisa Gonzalez - 31.mai.2022/Reuters

Petro, entretanto, representa para o eleitorado apenas a agenda progressista: direitos das minorias étnicas e sexuais, ouvir as lutas camponesas, combater o modelo econômico extrativista, simpatia com o movimento estudantil e os jovens das comunidades assassinados no primeiro semestre de 2021 etc.

Muitos colombianos, entretanto, querem uma nova paterfamília, igualmente raivosa, mas refinada, sem culpas graves e, ao mesmo tempo, um líder com sensibilidade social e capaz de atingir, também com raiva, o "establishment . Esse é "Rodolfo". Aqui a mudança tem uma parte de novidade e uma parte de "restauração", com sua repetição atualizada do original.

Derrotar Hernández significa, para Petro, minar a credibilidade do lado esquerdo de seu centrismo integrador e explorar ao máximo a incoerência entre um discurso anticorrupção e o apoio de fato de blocos de políticos corruptos.

Mas Petro perde, em todo caso, em um terreno cultural difícil de modificar e difundido: o de nossas representações ainda predominantes de "autoridade".

A política, entretanto, é uma questão de tática e estratégia. Nada está predefinido. Petro ainda tem três semanas para melhor comercializar sua opção de mudança e fazer alianças oportunas.

Tradução de Giulia Gaspar

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