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Pandemia nos deixou insones, estressados e propensos aos vícios

A forma com que os governos da região trataram a crise sanitária não nos deixará tranquilos tão cedo

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Fabián Echegaray

Cientista político e diretor da Análise de Mercado, consultoria de opinião pública sediada no Brasil

Uma das suposições consagradas por conta da pandemia é que a mesma deixou uma marca no estado de ânimo e nos hábitos de saúde dos habitantes do planeta, incluindo os latino-americanos.

Junto com o exército de infectologistas e autoridades sanitárias que povoaram os meios de comunicação, também foram mobilizados inúmeros diagnósticos, alertando sobre o impacto da propagação do vírus e das práticas defensivas individuais ou domésticas para o humor social e a saúde pública. ​

Ali, as pesquisas de opinião desempenharam um papel essencial como termômetro capaz de traduzir algumas das principais predisposições e preocupações das sociedades e que nos permitem entender o que nos aconteceu.

Passageiro com traje de proteção e máscaras faciais entra no Aeroporto Internacional Jorge Chavez em Callao, Peru, em outubro de 2020 - Ernesto Benavides/AFP

A nível mundial, houve uma variação mínima nos comportamentos de risco como fumar ou beber álcool, os sentimentos de estresse mal chegaram a mudar e a qualidade do sono se manteve quase intacta ao comparar os dados de finais de 2018 com os dados de finais de 2020 ou 2021, em pleno auge da pandemia, de acordo com a série de pesquisas a nível global da rede de consultorias Win e Market Analysis.

Por exemplo, mais de um em cada quatro adultos do planeta fumava muito ou com alguma regularidade em 2018 e três anos depois, em meio aos confinamentos, essa porcentagem, ao invés de aumentar, caiu ligeiramente. O mesmo aconteceu com a ingestão de bebidas alcoólicas: caiu de 43% no período pré-pandêmico para pouco menos de 38% durante os tempos de Covid-19.

O estresse também não manifestou piora como esperado: um ano e meio antes da declaração de confinamento estava em torno de 30%, no auge das quarentenas não alcançou 33%, uma variação próxima à margem de erro das pesquisas.

Por último, a autopercepção da saúde pessoal também não mudou: era de 76% no final da década passada e entre 77%-79% em 2020-2021.

Isso significa que no final não houve um custo de saúde e psicológico, apesar da revolução radical em nossas práticas ao longo dos dois anos de pandemia?

É óbvio que sim, existiu, e que persistirá esse impacto no humor social derivado da emergência sanitária, mas não para todos —e sim concentrado em certos grupos e fruto da exposição a determinados tipos de vivências durante a pandemia.

Ao examinar como esses indicadores variaram em regiões como a América Latina, a média agregada de algumas dessas situações repete o quadro global.

Fumar, por exemplo, caiu de quase 30% em 2018 para 20% em 2021. Beber álcool caiu de 45% em 2018 para 42% três anos depois. Dormir mal também seguiu uma direção de queda, não de aumento. A sensação de vigor físico diminuiu apenas ligeiramente e a de estresse aumentou com a pandemia, ainda que com sutileza.

A aparente inocuidade da pandemia no humor social e percepção de bem estar físico e mental latino-americano esconde a ruína provocada pela forma como certos governos administraram suas respostas à crise.

Ao desagregar esses números por país, a tragédia de saúde surge com nitidez. A deterioração da qualidade da saúde e das condições de bem-estar pessoal foram maiores nos contextos onde os governos seguiram dois tipos de padrões que desorganizaram mais fortemente a vida cotidiana de seus cidadãos.

Um padrão está vinculado com a magnitude e persistência da abordagem repressiva à execução normal da vida diária. As sociedades que sofreram as medidas mais restritivas como o confinamento sem contemplações, que foram privadas de alternativas para canalizar a angústia e que viram suas atividades educacionais e sociais presenciais canceladas (enquanto as próprias autoridades não hesitaram em quebrar as regras) são as que registram variações abruptas nos indicadores de qualidade de vida e saúde pessoal.

Na Argentina, por exemplo, o país que liderou por meses o índice de rigor dos confinamentos de acordo com o relatório da Universidade de Oxford durante boa parte de 2020, a sensação de saúde pessoal caiu o dobro do que no conjunto dos países latino-americanos estudados. Além disso, houve um forte aumento no consumo de bebidas alcóolicas e uma duplicação da taxa de estresse, de 22% em 2018 para 42% em 2021.

Impossibilitados de canalizar as angústias derivadas da crise viral, os argentinos literalmente implodiram, refugiando-se na bebida e na exacerbação dos sentimentos de vulnerabilidade e ansiedade, destacando-se entre seus vizinhos.

Em oposição a essas restrições máximas vivenciadas pelos argentinos, os cidadãos brasileiros e mexicanos tiveram muito mais autonomia de circulação, opções sobre como se prover, de que maneira estudar e situações de sociabilidade.

Isto não representa um elogio a governos que se mostraram incapazes, quando não abertamente irresponsáveis, em oferecer proteção sanitária a seus compatriotas.

De fato, as contradições e incoerências abertas na gestão da pandemia por parte de Jair Bolsonaro no Brasil isentaram seus cidadãos de práticas repressivas como na Argentina, Chile ou Peru, mas os expuseram aos riscos de comportamentos privados imprudentes, que estenderam a insegurança entre a maioria de seus habitantes.

Neste marco, os brasileiros estão entre os poucos que viram diminuir o número de pessoas sedentárias entre 2018 e 2021, bem como a sensação de estresse, embora tenham aumentado suas dificuldades para dormir com a maior oscilação negativa na região.

O outro padrão adverso é gerado pelos altos e baixos das decisões com aberturas, fechamentos, novas aberturas e novos fechamentos que desorientam a população e exacerbam sua sensação de falta de direção, insegurança e vulnerabilidade.

O índice de rigor governamental da Universidade de Oxford revela que durante o biênio 2020-2021, o Chile e o Peru foram os países com idas e voltas mais marcantes em matéria de restrições.

Como resultado, os chilenos chegam ao presente com os piores números em termos de deterioração de sua percepção de vigor e vitalidade física. Também se destacam os índices de burnout, que subiu 17 pontos percentuais em três anos.

Os peruanos, por sua vez, foram mais afetados no sono do que em seu consumo de bebida ou tabaco, adaptando-se à oscilante e confusa gestão da pandemia com suas quarentenas e liberalizações por meio de uma vigília mais sacrificada.

Insones, estressados e com alguns vícios agravados, nós latino-americanos estamos deixando gradualmente a pandemia no passado, mas a forma sinuosa, senão abertamente perversa e incompetente com que os governos da vez a trataram, não nos deixará tranquilos tão cedo.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar

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