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Equador: crônica de uma vitória inacabada

Depois da greve nacional de 18 dias liderada por indígenas, mesa redonda deverá ser criada para resolver questões pendentes

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Adoración Guamán

Cientista política, jurista e professora da Universidade de Valencia (Equador)

Virgilio Hernández

Mestre em administração pública e ciência política pela PUC do Equador

O Equador foi recentemente abalado por uma nova mobilização social que manteve o país no limite por 18 dias, em um confronto entre o bloco popular que tomou as ruas e o governo do presidente Guillermo Lasso.

Criticado internacionalmente pelo uso abusivo da violência física e simbólica contra os manifestantes, o governo equatoriano foi obrigado a sentar-se em uma mesa de diálogo nacional que terminou com a assinatura de um acordo no dia 30 de junho.

Durante a greve nacional de 18 dias (convocada pelas confederações indígenas Conaie, Feine e Fenocin), o tempo no Equador passou a grande velocidade.

O que começou como um protesto popular, com uma lista clara de exigências para conter as políticas neoliberais, assumiu um objetivo de destituição, tanto no âmbito social quanto político-institucional.

O Presidente Lasso, que de acordo com pesquisas recentes tem 13% de confiança da população e menos de 20% de aprovação de sua administração, optou desde o início pelo uso da violência que exacerbou as mobilizações.

No dia 14, a prisão do presidente da Conaie, Leonidas Iza, em um julgamento cheio de irregularidades, alimentou o descontentamento popular e o protesto social generalizado, ao qual o governo respondeu com repressão e militarização.

Os múltiplos estados de emergência, o discurso belicista, a ocupação policial da Casa da Cultura Equatoriana (um tradicional ponto de encontro para as mobilizações dos povos indígenas), os ataques às universidades que haviam sido transformadas em centros de paz e alojamento, e o uso abusivo da força policial e militar provocaram meia dúzia de mortos e centenas de feridos e detenções.

Como já havia acontecido em 2019, a estratégia do governo esteve baseada na criminalização de vários líderes da oposição.

Por um lado, tanto o presidente como vários ministros concentraram uma campanha de descrédito sobre Iza que exacerbou as expressões racistas de parte da população e prejudicou a coexistência no país.

Por outro lado, vários ministérios difundiram a ideia infundada de que as manifestações estavam sendo financiadas por grupos políticos ligados ao crime transnacional e buscando a desestabilização, em uma clara alusão ao "Correismo".

Com a escalada da tensão social e a generalização do conflito em todo o país, a Bancada da Revolução Cidadã decidiu tentar encontrar uma solução político-institucional para a crise, utilizando o mecanismo previsto no artigo 130.2 da Constituição equatoriana, conhecido como morte cruzada.

Assim, no dia 24, 72 legisladores ativaram esse procedimento, que prevê tanto a destituição do presidente como a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação, no prazo de sete dias, das eleições antecipadas, que devem ser realizadas no prazo máximo de 90 dias.

Sob pressão social e político-institucional, o governo concordou com o diálogo, que começou no dia 27 e durou apenas horas.

No dia seguinte, após a morte de um soldado em um confronto entre o Exército e vários grupos na região amazônica, o presidente interrompeu o diálogo e, ao mesmo tempo, chamou os setores que deveriam debater e votar sobre a proposta de destituição presidencial naquela tarde de "golpistas e máfias políticas".

Além disso, o duro ataque verbal de Lasso a Iza em cadeia nacional procurou claramente dividir o movimento indígena, ao qual ele pediu que renegasse seu líder.

Assim, em um clima de máxima tensão, os canais institucionais e de negociação foram aparentemente fechados, enquanto a Assembleia Nacional procedeu à votação da proposta de destituição.

Entretanto, Lasso obteve votos para garantir sua continuidade no cargo, mesmo mostrando sua fraqueza em termos de apoio real na Assembleia.

Diante desse cenário complexo, houve até mesmo avisos da possível prisão de Iza de outros líderes do movimento indigenista.

Porém os líderes das organizações convocadoras intensificaram o apelo à mobilização das bases e a exigência do reconhecimento de Iza como presidente da Conaie.

Essa decisão arriscada foi fundamental para avançar nas conversações e chegar a uma solução, obrigando o governo, com a mediação da Conferência Episcopal Equatoriana, a sentar-se e conversar.

O líder indígena Leonidas Iza, de chapéu preto e manto vermelho, festeja em Quito a assinatura de acordo com o governo do Equador
O líder indígena Leonidas Iza festeja em Quito a assinatura de acordo com o governo do Equador - Adriano Machado - 30.jun.2022/Reuters

O futuro do Equador após a greve nacional

No dia 30 foi alcançado um acordo entre o governo e o movimento indígena que levou ao encerramento da greve nacional e à revogação do estado de emergência.

Entre os principais acordos alcançados destacam-se o Decreto 452, que exige que os governadores do país intensifiquem as operações de controle para prevenir e erradicar a especulação; a declaração de emergência no setor de saúde; o estabelecimento de políticas públicas compensatórias para as áreas rurais e urbanas; e a redução dos preços dos combustíveis.

Além disso, a Conaie conseguiu a revogação do Decreto 95, sobre hidrocarbonetos, e a reforma do Decreto 151, que contém o Plano de Ação de Mineração.

Por último, uma mesa redonda, com duração de 90 dias, deverá ser criada para resolver as questões pendentes, com a participação dos diferentes setores do governo.

O fechamento do conflito deixa o governo seriamente enfraquecido. A votação na Assembleia mostrou sua fraqueza institucional, enquanto a demora em concordar com o diálogo evidenciou sua incapacidade política para administrar o país.

Seis pessoas mortas, mais de 500 feridos e divisões sociais exacerbadas são um custo impossível de esquecer, ainda mais quando várias organizações internacionais de direitos humanos, como a CIDH, o Comitê dos Direitos da Criança e a Anistia Internacional criticaram fortemente o uso abusivo da força e as violações dos direitos humanos.

Por sua vez, o movimento indígena e em particular seu líder, Iza, emergiram fortalecidos após demonstrarem sua capacidade de sustentar 18 dias de mobilização e protestos sociais.

Na verdade, as mobilizações levaram ao reconhecimento de importantes direitos e avanços sociais que beneficiarão as maiorias sociais do Equador como um todo, além do movimento indígena.

O palco ainda está aberto, e nos próximos dias o corolário dessa mobilização será visto.

O governo poderia cometer um erro, como fez em outubro de 2019, e abrir um novo momento na perseguição de lideranças e opositores sociais, incluindo Iza.

Mas Lasso também poderia acertar e dar uma volta transcendental em sua linha política para atender às necessidades do país, em vez de continuar a sacrificar o Equador sob os desígnios de organizações como o Fundo Monetário Internacional.

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