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Bolsonaro e o ataque permanente às instituições brasileiras

Presidente não desceu do palanque de 2018, e agora continuará a executar enredo que pode causar mais danos à democracia

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Luciana Santana

PhD em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

A poucos meses das eleições que irão definir quem estará à frente do Poder Executivo Federal a partir de 2023, o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, voltou a criticar o sistema eleitoral brasileiro em uma reunião convocada por ele com a presença de dezenas de embaixadores e realizada em 18 de julho deste ano. A pauta da reunião foi as urnas eletrônicas, mas tornou-se um encontro para colocar em xeque o resultado das urnas nas últimas eleições e ataque à independência dos outros Poderes do Estado por meio de críticas dirigidas contra a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Um mês e meio antes, em 31 de maio, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, já havia se reunido com representantes das embaixadas e chefes de missões diplomáticas para apresentar o funcionamento das eleições no Brasil e reforçar o papel da Justiça eleitoral em garantir transparência e segurança dos resultados das urnas. Na ocasião, Fachin chegou a convidar a comunidade internacional para se manter "alerta contra acusações levianas" e que evitassem se contaminar com o "vírus da desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro". Uma clara referência às atitudes do presidente Bolsonaro e de sua base eleitoral mais radical.

Presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama Michelle em palanque em Juiz de Fora (MG); ele está de preto, ao microfone, e ela usa roupa amarela
Presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama Michelle em Juiz de Fora (MG) - Mauro Pimentel/AFP

Ficou claro, portanto, que a atitude do chefe do Executivo ao convocar a reunião com os embaixadores foi de "responder" ao presidente do TSE e desqualificar suas colocações. O TSE, por meio de conteúdos produzidos pela Secretaria de Comunicação e Multimídia do tribunal, rebateu as críticas e alegações feitas por Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, representou o Legislativo federal e em suas falas e postagens nas redes sociais defendeu "que a segurança das urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral não podem mais ser colocadas em dúvida" e que qualquer questionamento em direção contrária são "ruins para o Brasil sob todos os aspectos". Outros presidenciáveis e lideranças políticas também se posicionaram desta forma.

Não é a primeira vez que o chefe do Executivo atenta contra as instituições democráticas do país. Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro emplacou uma narrativa, rapidamente apropriada por seus eleitores mais fiéis, de que houve fraude no resultado da eleição presidencial em 2018, impedindo seu triunfo já no primeiro turno das mesmas, e que as urnas eletrônicas não são confiáveis.

Em várias outras situações, os chefes do Legislativo Federal (Senado e Câmara dos Deputados) junto com o STF tentaram apaziguar a situação, mas todas as tentativas foram em vão. Os ataques constantes a ministros da Corte Suprema e ao sistema eleitoral inviabilizaram um diálogo institucional mais profícuo. Em agosto de 2021, em um desses episódios de difamação e ataque direto de Bolsonaro ao ministros do STF –concretamente aos ministros Roberto Barroso e Alexandre de Moraes– e de denuncias sem provas de fraudes eleitorais no país, o presidente do STF, Luiz Fux, chegou a cancelar uma reunião na qual estariam presentes chefes dos três poderes.

Tudo parecia caminhar em outra direção depois que Bolsonaro amargou uma derrota expressiva no âmbito do Legislativo contra a proposta de emenda constitucional que buscava instituir o voto impresso. 218 deputados votaram contra a proposta, 229 votaram a favor da mudança defendida pelo presidente e houve uma abstenção. Por se tratar de uma tentativa de reforma constitucional era preciso ao menos 308 parlamentares a favor para que a proposta seguisse tramitando no Congresso. A legitimidade do resultado não foi suficiente para impedir que o tema voltasse a ser prioritário para o presidente.

Por que Bolsonaro questiona o sistema eleitoral pelo qual foi eleito?

Trata-se da adoção de uma estratégia clara de desinformação, ou seja, que busca confundir o eleitor e provocar instabilidade no jogo político. Voltar a esse tema, neste momento, demonstra grande preocupação com uma possível derrota nas eleições deste ano. Desde que seu principal rival político, Luiz Inácio Lula da Silva voltou a ter elegibilidade e se apresentou como pré-candidato à presidência, Bolsonaro não conseguiu voltar a ser o preferido dos eleitores brasileiros.

Ao observar o crescimento e consolidação de Lula como o favorito nas pesquisas eleitorais, inclusive em redutos que votaram majoritariamente em Bolsonaro em 2018, como o caso dos estados de Minas Gerais e São Paulo, o governo federal se mobilizou para aprovar um conjunto de medidas econômicas para tentar reverter tal situação. O principal exemplo é ter conseguido apoio parlamentar para aprovar em dois turnos a emenda constitucional que ficou conhecida como "kamikaze", que aprova estado de emergência no país para abrir brecha na legislação eleitoral que autoriza o presidente a conceder benefícios sociais em ano de eleições (como o aumento do Auxílio Brasil para famílias de baixa renda e a criação do auxílio para caminhoneiros, entre outros). A implementação dos benefícios iniciou-se no dia 9 de agosto e acabará em dezembro de 2022.

Desde que a medida foi aprovada, novas pesquisas têm apontado uma melhora na avaliação do presidente, basicamente nas camadas sociais mais vulneráveis. Porém, nenhuma pesquisa tem demonstrado até agora uma melhora suficiente das intenções de voto a Bolsonaro para mudar o cenário eleitoral atual e reduzir a alta rejeição a sua candidatura.

Qual o impacto dos ataques ao processo eleitoral deste ano?

Nesta teça (16) começou oficialmente a campanha eleitoral no país, momento em que as propagandas eleitorais estão liberadas, seja na internet ou no corpo a corpo, por meio de alto-falantes, caminhadas, carreatas ou passeatas. A partir do dia 23, a campanha tomará conta também das rádios e televisões. Dificilmente os ataques aferidos ao sistema eleitoral deixaram de ser pauta da campanha dos candidatos bolsonaristas. Pelo contrário, manter os ataques às urnas eletrônicas e reforçar a narrativa de que há uma força tarefa para "tirar" o atual presidente do poder –e que isso ocorrerá por meio de uma fraude eleitoral– é parte das estratégias de uma candidatura de extrema-direita que anseia poder repetir a eleição de 2018, marcada por muita campanha negativa e de desinformação.

Ao longo de todo o mandato, Bolsonaro não desceu do palanque eleitoral de 2018, e agora, ao iniciar oficialmente mais uma campanha, continuará a executar seu enredo, que pode causar mais danos à democracia. Se até aqui, todas as respostas institucionais não foram capazes o suficiente de frear as afrontas feitas às instituições brasileiras, esperemos que os eleitores o façam nas urnas eletrônicas esse ano, as mesmas urnas que, desde 1996, garantiram a Bolsonaro sucessivas vitórias parlamentares e a vitória presidencial de 2018.

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