O setor kirchnerista do governo argentino e a própria vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner desencadearam, de forma impressionante, dada a profundidade da crise econômica que a Argentina está atravessando, uma nova barragem contra o Poder Judiciário no geral e particularmente contra a Suprema Corte de Justiça.
Após a derrota eleitoral de 2015 e a posse do governo de Mauricio Macri, foi aberta uma série de processos judiciais contra Cristina, cujo denominador comum eram as acusações de corrupção, basicamente com envolvimento em obras públicas.
Embora alguns dos casos tenham terminado em absolvição, outros continuaram, e inclusive vários deles se unificaram em uma só causa.
Durante esse período, os argentinos viram, por intermédio dos meios de comunicação, vídeos nos quais os filhos de empresários ligados ao governo contavam sacos de dinheiro. Foram encontrados também em um cofre de segurança de um banco quase US$ 5 milhões em nome da filha da ex-presidente.
Em suma, uma série de evidências que sustentaram e sustentam o processo judicial até hoje e que estruturam o argumento acusatório da promotoria que está sendo produzido.
O kirchnerismo invocou a figura do "lawfare", uma figura política que se desenvolveu na política latino-americana para significar a perseguição judicial de presidentes populares.
A oposição adverte que as evidências do processo mostram flagrantes atos de corrupção durante os governos de Cristina.
Esse é o contexto no qual o kirchnerismo, muitas vezes acompanhado pelo governo de Alberto Fernández, denuncia uma perseguição política com ferramentas judiciais contra Cristina.
Essa tensão levou inclusive a uma mudança de ministro da Justiça, com a saída de uma jurista renomada, Marcela Losardo, que era próxima a Fernández, e a chegada de um político, Martín Soria, que responde diretamente a Cristina.
Embora essa mudança tenha sido vista pela oposição como uma forma de pôr um fim aos processos judiciais, na atualidade os mesmos prosseguem e estão a apenas um passo do veredicto.
Dada essa tentativa fracassada de intervir na decisão do órgão, atualmente o kirchnerismo propõe uma ampliação da Suprema Corte para que passe de seus cinco membros atuais para 25, um por cada província, com o objetivo de diluir o processo.
Isso, no entanto, tem poucas possibilidades de ir adiante, uma vez que o oficialismo não conta com maioria na Câmara dos Deputados.
Quais os cenários diante dos ataques à Suprema Corte?
Em primeiro lugar, embora o temor de Cristina Kirchner e de seu setor político aumente com o iminente fim do processo e um provável veredicto de culpabilidade, de toda ou parte da acusação, ela tem e certamente terá imunidade parlamentar até as próximas eleições presidenciais, em 2023.
Além disso, esse temor não se centraliza em sua figura; o processo envolve sua filha Florencia, que sempre esteve afastada da política e da exposição pública, e numerosos ex-funcionários de seu antigo governo.
Por outro lado, pode ser que essa nova ofensiva sobre a Justiça tenha a intenção implícita de retirar Cristina e o kirchnerismo do centro da política, dada a crise econômica que está sendo vivida e o risco de uma corrida cambiária e uma possível desvalorização, permitindo assim que a crise seja absorvida pelo setor político do governo que responde a Fernández.
Finalmente, começou a ser mencionada timidamente a ideia de uma possível condenação que levasse a uma proscrição política de Cristina para as eleições de 2023 e que a impediria de uma candidatura direta, o que causaria danos diretos ao eleitorado de seu próprio setor.
Em suma, o megacaso que mira o kirchnerismo já dura seis anos e está chegando ao fim.
E, além das convicções que surgirão desse veredicto, o que sim pode ser considerado quase certo é o grande impacto político que terá sobre o país.
Tradução de Giulia Gaspar
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.