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Preparando as Américas para a próxima pandemia

Abordar as doenças infecciosas emergentes requer uma transformação radical das opressões sistêmicas

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Anna Stewart-Ibarra

Diretora Científica do Instituto Interamericano de Pesquisa de Mudanças Globais (IAI)

A crescente ameaça das doenças infecciosas emergentes

Covid-19, varíola do macaco, dengue... As manchetes de hoje não deixam lugar para dúvidas de que seguirão aparecendo novas doenças virais que ameaçam nossa saúde. As doenças infecciosas estão surgindo a um ritmo nunca antes visto, como resultado das mudanças globais do último século que favorecem a transmissão, além de avanços tecnológicos melhores para diagnosticar e detectar as infecções.

As mudanças socioecológicas mundiais incluem, por sua vez, o desmatamento desenfreado em regiões tropicais de grande biodiversidade, o aquecimento das temperaturas e a maior frequência de fenômenos climáticos extremos, assim como o rápido movimento global de pessoas e vírus.

Esta situação é ideal para a aparição de doenças, já que o crescente contato entre pessoas, animais e vírus aumenta a probabilidade de que novos e velhos vírus sejam transmitidos dos animais para pessoas e vice-versa.

Partícula do vírus SARS-CoV-2
Partícula do vírus SARS-CoV-2 - Reuters

Desse modo, a mudança climática e o desmatamento (mudança no uso da terra) estão modificando a distribuição geográfica de indivíduos, animais, vírus e vetores de doenças, como os mosquitos. Agora estamos assistindo surtos de dengue em lugares que antes eram muito frios para a transmissão de doenças transmitidas por mosquitos, como as zonas de altitude média dos Andes tropicais ou as cidades do Cone Sul de clima temperado, como Córdoba (Argentina). À medida que as espécies migram e se mudam para novas localizações geográficas, elas entram em contato com muitas outras espécies.

Um estudo recente estabeleceu que estes deslocamentos geográficos dariam lugar a mais de 300.000 "primeiros encontros" entre espécies de mamíferos, o que duplicaria a taxa atual de encontros. À medida que novos mamíferos entram em contato, é mais provável que os vírus possam pular entre as espécies, incluindo as pessoas. Assim, os autores determinaram que é mais provável que estes novos encontros ocorram em regiões tropicais montanhosas com grande biodiversidade e alta densidade populacional humana. Também descobriram que os morcegos são uma das espécies de mamíferos mais críticas para a propagação de novas doenças virais, devido à sua capacidade única de voar longas distâncias.

Em particular, a carga atual e futura das doenças virais endêmicas e emergentes não se divide por igual entre os países ricos e os menos ricos. O chamado sul global é o mais afetado pelos surtos de doenças e carece de acesso equitativo a vacinas e outras soluções de saúde pública, como foi dolorosamente demonstrado durante a pandemia da Covid-19. Os legados coloniais deixaram uma pobreza profundamente enraizada, desigualdades sociais e uma governança fraca, o que aumentou a população de pessoas altamente vulneráveis. No entanto, as prioridades de pesquisa e financiamento em matéria de saúde mundial seguem sendo impulsionadas pelo norte global.

Fortalecer a capacidade do setor sanitário para responder à próxima pandemia

Médicos, enfermeiros e profissionais da linha de frente da saúde pública agora se deparam com a resposta a esta situação de saúde pública que é cada vez mais complexa. O modelo biomédico tradicional (ou seja, revisar o paciente, identificar os sintomas físicos e recomendar tratamento médico) já não é suficiente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros entes da saúde mundial propuseram enfoques integrados como o de "saúde única", que reúne saúde humana, saúde animal e saúde ambiental, e "saúde planetária", que centra em "abordar os impactos das alterações humanas nos sistemas naturais da Terra sobre a saúde humana e toda a vida na Terra".

Estes enfoques concebem a saúde como o resultado de sistemas sociais e ecológicos interconectados entre si. Entretanto, a maioria das faculdades de medicina e programas de saúde pública não preparam seu pessoal para dar esse salto de paradigma.

As soluções clínicas e de saúde pública para doenças infecciosas emergentes devem ser abordadas no contexto de sistemas sociais e ecológicos interconectados que mudam rapidamente. Um primeiro passo essencial é desenvolver a capacidade do setor sanitário para entender e responder a essas mudanças. A fim de responder a esta necessidade, o Consórcio Mundial de Educação sobre o Clima e a Saúde (GCCHE, sua sigla em inglês) estabeleceu uma rede mundial de rápido crescimento de escolas profissionais, sociedades e organizações regionais de saúde com o objetivo de "criar um setor de saúde global preparado para o clima, preparado para mobilizar e liderar a promoção, e a resposta da saúde na era da mudança climática, ao mesmo tempo em que restaura a saúde do planeta".

Em abril de 2022, o Instituto Interamericano de Pesquisa da Mudança Global (IAI), a Organização Pan-Americana da Saúde e o GCCHE se associaram a fim de fazer um curso virtual intitulado "Responsáveis pelo Clima e pela Saúde na América Latina". A resposta foi esmagadoramente positiva. Ao longo de cinco semanas, mais de 1.500 pessoas de todo o continente americano e de outros continentes participaram de sessões ao vivo com especialistas da América Latina. Cursos semelhantes foram realizados na América do Norte e no Caribe, alcançando milhares de profissionais de todo o continente americano.

Este curso destacou a alta demanda por formação em matéria de clima e saúde por parte de diferentes setores, como ministérios, mundo acadêmico e sociedade civil. Alguns Ministérios da Saúde informaram que este curso permitiu-lhes abordar suas necessidades de formação como parte de seu compromisso com o acordo internacional sobre mudança climática da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC). Para seguir apoiando este esforço, em setembro de 2022 será lançada uma comunidade de prática regional (América). Uma plataforma virtual reunirá profissionais da política, pesquisadores e a sociedade civil para compartilhar conhecimentos e melhores práticas com o objetivo de combater as doenças infecciosas emergentes e outros problemas de saúde afetados pelo clima e pelo meio ambiente.

Co-elaboração de soluções através de parcerias transdisciplinares equitativas

Fundamentalmente, o enfoque "Saúde Única" ou "Saúde Planetária" requer uma mudança na forma em que cientistas, profissionais da saúde e sociedade civil trabalham juntos. Assim, são essenciais as colaborações equitativas e parcerias de confiança construídas por parceiros apegados a um processo de compromisso de longo prazo. Os profissionais de saúde, a sociedade civil e as partes interessadas de outros setores-chave devem identificar prioridades e soluções para suas comunidades.

Profissionais e cientistas de diversas disciplinas podem trabalhar com esses parceiros com o propósito de criar conjuntamente soluções baseadas na evidência para suas comunidades. Este enfoque transdisciplinar é uma boa prática para desenvolver ferramentas e informações que podem ser utilizadas pelo setor sanitário de saúde com o objetivo de tomar decisões (com base na informação) sobre como, quando e onde intervir para prevenir uma epidemia.

As soluções incluem a melhora dos sistemas de vigilância para detectar ameaças de doenças emergentes, novas vacinas e terapias, inovações para controlar doenças transmitidas por mosquitos e sistemas de alerta precoce para prever os surtos de doenças. Isto requer um compromisso de financiamento de longo prazo por parte dos financiadores mais importantes da saúde mundial, como o Wellcome Trust e a Gates Foundation, a fim de apoiar as equipes de One Health lideradas por pesquisadores do sul global.

Também é necessário formar pesquisadores e profissionais que começam sua carreira em habilidades de liderança colaborativa, como escuta, facilitação, diplomacia, comunicação e reflexão pessoal. Abordar as doenças infecciosas emergentes requer uma transformação radical das opressões sistêmicas (colonialismo, racismo, sexismo, classismo) que seguem condicionando nossa forma de trabalhar juntos e a saúde de nossas gerações atuais e futuras.

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