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Descrição de chapéu LATINOAMÉRICA21 Eleições 2022

Ganhou Lula, venceu a democracia

Disputas geopolíticas e contexto econômico do Brasil preveem muitas dificuldades, mas triunfo da democracia é boa notícia

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María Villarreal

Cientista política. Professora de Relações Internacionais da UFRRJ e do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UNIRIO. Doutora em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri

Luiz Inácio Lula da Silva será presidente pela terceira vez no Brasil. No segundo turno das eleições mais polarizadas desde o retorno à democracia, Lula ganhou com 50,90% dos votos contra os 49,10% de Bolsonaro. A vitória de Lula foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às 19:57 horas, quando 98% das urnas haviam sido apuradas, e foi reconhecida pelos Estados Unidos e por vários países.

Entretanto, dadas as características destas eleições, sua vitória representa muito mais do que a ressurreição política de Lula ou o sucesso do Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar de várias ameaças e tentativas de impedir o processo eleitoral por parte do governo de Jair Bolsonaro, a vitória da maior frente ampla desde a ditadura militar é claramente a vitória da democracia sobre o risco de uma regressão autoritária.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia em que se reuniu com o presidente argentino, Alberto Fernández - Carl de Souza/31.out.22/AFP

As eleições presidenciais de 30 de outubro não foram equânimes e se caracterizaram pela circulação de notícias falsas, altos níveis de desinformação, violência política e ameaças diretas à continuidade democrática. A ampla frente pró-democracia liderada por Lula confrontou a máquina estatal brasileira a serviço do atual presidente para comprar votos e lealdades. Através do chamado "orçamento secreto", considerando o orçamento de 2023, o executivo terá distribuído 80 bilhões de reais além do que é permitido pela Constituição em troca de apoio político.

Em um contexto de violência e alta polarização, os episódios mais marcantes da última semana incluem o tiroteio e o lançamento de granadas contra membros da Polícia Federal por Roberto Jefferson, aliado do Bolsonaro em prisão domiciliar que estava preso preventivamente por não cumprir medidas cautelares, divulgar fake news e insultar membros do Supremo Tribunal Federal (STF); a ameaça e a perseguição armada nas ruas de São Paulo de uma apoiador de Lula por Carla Zambelli, deputada e aliada de Bolsonaro; e a denúncia improcedente do alegado favoritismo de comunicação da campanha de Lula nas estações de rádio do país pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria.

O evento mais grave, no entanto, foi a tentativa de impedir ou atrasar o voto dos eleitores por meio de operações de controle e bloqueios ilegais de estradas durante o segundo turno. Estas medidas foram realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), cujo diretor foi indicado por Flávio Bolsonaro e é apoiador do atual presidente, e tiveram como alvo especialmente a região Nordeste, onde se concentra a maioria dos apoiadores de Lula. Conforme diversos meios de comunicação, a decisão sobre esta operação ilegal foi tomada no próprio palácio da Alvorada. As mais de 560 operações de controle realizadas em todo o país foram denunciadas publicamente por observadores internacionais e organizações como a Transparência Internacional. Elas foram interrompidas somente após intimação de Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Apesar das tentativas de obstruir o bom andamento das eleições, os resultados confirmaram a vitória de Lula, sindicalista e líder histórico da esquerda brasileira que foi impedido de participar das eleições de 2018 por ter sido condenado em um julgamento parcial e sem provas suficientes no âmbito da operação Lava Jato. Por sua vez, Jair Bolsonaro, o atual presidente e candidato de extrema direita, é o primeiro presidente a não ser reeleito desde que a emenda de reeleição foi aprovada em 1997. De forma inédita, 31,8 milhões de brasileiros se abstiveram, ou seja, 20,6% dos eleitores com direito ao voto, um número significativo, mas inferior ao primeiro turno em que a abstenção atingiu 20,95%. Os votos brancos e nulos em conjunto representaram 4,59% do total.

O Brasil está de volta

Em seu primeiro discurso oficial, usando um tom conciliatório, Lula agradeceu a todos os setores que o apoiaram e à mídia. Ele disse que governará para todos os 215 milhões de brasileiros, já que não há dois Brasis, mas apenas uma nação. O líder histórico do PT também reconheceu a necessidade de pacificar e reconstruir o país, recuperando o diálogo e a convivência social com todos os atores. Além disso, Lula assumiu a necessidade de governar respeitando a autonomia das instituições e reconstruindo a coexistência harmoniosa entre os três poderes.

Em relação às prioridades anunciadas, os primeiros compromissos assumidos foram o de pôr fim à fome, que hoje afeta 33 milhões de brasileiros segundo a Rede Penssan, reduzir a pobreza e a desigualdade, e retomar os programas sociais como Minha Casa, Minha Vida. Lula também destacou que o Brasil está de volta e que a partir de agora é necessário garantir a credibilidade, previsibilidade e estabilidade do país a fim de recuperar a confiança internacional e atrair investimentos estrangeiros. Junto com estes objetivos, a industrialização e o retorno do protagonismo brasileiro nas relações internacionais também foram estabelecidos como metas, promovendo várias reformas e projetos de cooperação Sul-Sul e Norte-Sul.

Em contraste com a política externa do governo Bolsonaro, que fez do Brasil um pária regional e global, Lula anunciou o retorno do país à luta global contra as mudanças climáticas e as desigualdades e a favor de um comércio mais justo. Em relação à Amazônia, prometeu desmatamento zero, em contraste com os níveis recordes de desmatamento registrados durante o atual governo.

Além dos anúncios e boas intenções, os desafios que o governo Lula-Alckmin terá que enfrentar a partir de janeiro de 2023 serão enormes e exigirão múltiplos esforços e concessões de todos. As disputas geopolíticas e o complexo contexto econômico em que sua vitória está ocorrendo também preveem muitas dificuldades para alcançar seus objetivos. Entretanto, o triunfo da democracia e a possibilidade de reconstruir um projeto de convivência pacífica e justiça social para o Brasil são em si boas notícias.

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