Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.
O Rio de todos os Brasis
No título de sua reportagem de 30 de janeiro sobre a profundidade da crise econômica e política no Brasil, a revista "The Economist" chamou a atenção do resto do mundo para o fato de os brasileiros estarem parando para festejar à beira de um precipício. Apesar da crise... o Carnaval e, em breve, a Olimpíada.
"No Brasil, não é a festa que alimenta o povo, é a alma de um povo –que muitas vezes dispõe de pouco alimento– que cria e sustenta a festa", já destacava o professor Carlos Lessa em artigo no "Valor Econômico" publicado em 16/1/2008, quando ventos muito melhores ainda sopravam no país.
"O brasileiro faz a festa sob quaisquer condições. Afirma que, 'apesar de você, amanhã há de ser outro dia'. Sabe que 'quem canta seus males espanta'. Recomenda, com sabedoria, 'levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima'", finalizava Lessa, em seu texto assumidamente ufanista.
Alguns anos antes, em 2000, Lessa publicou o livro "O Rio de Todos os Brasis –Uma Reflexão em Busca da Autoestima", no qual explorou a centralidade da cidade do Rio de Janeiro no processo de formação do Estado brasileiro e da identidade nacional. Associou assim a decadência da cidade ao longo da segunda metade do século 20 à perda de autoestima dos brasileiros.
Nem Lessa poderia prever que os preços de petróleo favoráveis, a expansão dos investimentos públicos e as políticas de distribuição de renda do governo federal produziriam melhoras tão rápidas na cidade, que chegou ao fim dos anos 2000 com índices próximos ao pleno emprego. A volta da confiança no país fez até o Cristo Redentor decolar na capa da mesma "The Economist", em 2009.
Hoje, pode-se dizer que a crise também tem no Rio o seu epicentro, bem como alguns de seus cavaleiros do Apocalipse, como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. Está na avenida Chile, por onde os blocos do Boi Tolo e dos Amigos da Onça arrastaram foliões extasiados, a sede da Petrobras, que desde o início da reversão nos preços do petróleo vem sendo a principal responsável pela queda livre dos investimentos no país.
Indo além da esfera municipal, o Estado concentra 45% da indústria extrativa nacional, sendo responsável pela produção de 67% do petróleo do país. Não surpreende, portanto, que também seja do Rio o único representante do setor financeiro preso na Operação Lava Jato. Operação essa que vem acrescentando um novo capítulo à longa história da economia do ilícito na cidade, tão bem narrada por Lessa em seu livro.
Com a paralisação de alguns de seus setores-chave, a região metropolitana do Rio de Janeiro já elevou sua taxa de desemprego em 1,5 ponto percentual no ano de 2015, mesmo com a redução de sua População Economicamente Ativa. Isso sem levar em conta que os efeitos da crise ainda estão sendo retardados pelas tantas obras de preparação para a Olimpíada, que, ao contrário da truculência da Guarda Municipal e da Polícia Militar, não conseguiram atrapalhar a folia.
É por essas e outras que toda a atenção é pouca para as eleições municipais que serão travadas entre o carnaval olímpico e o carnaval do Ano-Novo, provavelmente à meia-luz. Afinal, conforme alertou Carlos Lessa: "O Rio é o Brasil e o futuro do Brasil está comprometido".
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