Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Laura Carvalho

Populismo não é a causa da 'recessão democrática global'

Fenômeno pode ser sua consequência e, a depender da sua forma, a solução

 Lutz Bachmann, líder do movimento anti-imigração Pegida, em Dresden, Alemanha
Lutz Bachmann, líder do movimento anti-imigração Pegida, em Dresden, Alemanha - Fabrizio Bensch - 26.out.15/Reuters

De acordo com a revista britânica The Economist, menos de 5% da população mundial vive hoje em uma democracia plena e, para piorar, estaríamos diante de uma “recessão democrática global”. 

Os resultados da 10ª edição do “Economist Intelligence Unit’s Democracy Index”, que utiliza indicadores associados a processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política democrática e liberdades civis, sugerem que, só no último ano, 89 entre 167 países pioraram seu índice.

Mas a observação de que há uma crise democrática mundial certamente é menos controversa do que o diagnóstico sobre suas causas. Não é raro, nesse contexto, encontrar análises que associam a crise democrática ao crescimento do chamado “populismo”, termo que vem sendo usado para caracterizar não apenas os partidos antieuro e anti-imigração europeus e o nativismo protecionista de Donald Trump nos EUA mas também os novos partidos de esquerda europeus Syriza e Podemos, na Grécia e na Espanha, e muita coisa no meio.

Em resumo, o populismo englobaria tudo que é antissistema, que se pretende representante do povo contra as elites, que se opõe à ordem econômica liberal e à globalização. Podendo ou não ter viés autoritário. O problema é que, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o populismo pode não ser a causa do déficit democrático, e sim sua consequência e, a depender da sua forma, sua solução.

Em artigo intitulado “Populism and the economics of globalization” publicado recentemente no Journal of International Business Policy, Dani Rodrik, professor da Kennedy School of Government da Universidade Harvard, mostrou por que o crescimento do populismo não deveria ser surpresa para quem conhece os modelos convencionais de comércio internacional e os efeitos da globalização sobre salários, desemprego e desigualdade.

Em entrevista concedida ao Stigler Center, da Universidade de Chicago, publicada na quinta-feira passada (29), Rodrik resumiu o problema: “Ao exagerar os benefícios da globalização e subestimar seus custos, nós essencialmente privilegiamos e priorizamos um conjunto de interesses poderosos”. Rodrik enfatizou, nesse contexto, os interesses de setores e empresas específicas que norteiam acordos comerciais.

Para Rodrik, os efeitos da globalização sobre a desigualdade podem ser compensados por políticas de redistribuição de renda e de proteção social. Mas, enquanto em alguns países essa compensação nem chegou a ocorrer em razão de restrições fiscais e —sobretudo— obstáculos políticos, em outros a compensação foi feita inicialmente, mas acabou sendo desmontada em meio à globalização financeira e suas consequências.

As evidências apresentadas por Ronald Inglehart e Pippa Norris em artigo de 2016 sustentam a hipótese de que, mesmo quando as razões para a ansiedade são de natureza econômica, suas manifestações políticas podem ser culturais: a xenofobia, por exemplo, “pode ter suas raízes em ansiedades e desorganizações econômicas”, resumiu Rodrik em seu artigo.

O economista foi além no jornal “The New York Times” em 21/2: “A lição da história não é apenas que globalização e populismo estão estreitamente ligados. É também que o tipo ruim de populismo gerado pela globalização pode requerer um tipo bom de populismo para afastá-lo”.

O bom populismo econômico, para Dani Rodrik, é o que limita interesses financeiros e de grandes corporações e fortalece as políticas tributária, fiscal e regulatórias necessárias para reduzir as fraturas provocadas pelos choques econômicos e tecnológicos das últimas décadas.

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