Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Subestimar interlocutores não ajuda o debate econômico

Está claro que a economia patina e que a queda no investimento federal ajuda a explicar o freio 

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O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) teve alta de apenas 0,09% em fevereiro, frustrando mais uma vez as projeções do mercado. Na comparação interanual, os números mostraram a primeira queda no ritmo de crescimento da economia desde agosto de 2017.

Embora esteja cada vez mais claro para os analistas que a economia patina, a confusão ainda parece reinar sobre o que explica as sucessivas frustrações. É difícil dissociar o debate sobre a lentidão da recuperação daquele que ainda permeia toda e qualquer discussão sobre as causas da crise, qual seja, o efeito dos gastos e investimentos públicos sobre o crescimento econômico.

Na visão de muitos, o descontrole das contas públicas é a causa fundamental da recessão de 2015-2016. Um corte substancial de gastos e investimentos do governo seria, portanto, o melhor caminho para a retomada da confiança dos investidores e do crescimento econômico.

Desde que essa visão passou a determinar os rumos da política econômica em janeiro de 2015, quando Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda, o debate passou por diversas fases, mas não mudou tanto assim.

Em linhas gerais, os críticos da política, entre os quais eu me incluo, enfatizávamos os efeitos altamente recessivos que os cortes de investimentos públicos teriam em meio à crise, o que poderia até minar a tentativa de estabilização da dívida pública.

Mostrávamos também que os investimentos federais tinham ficado estagnados no primeiro governo Dilma, o que ajudaria a explicar a desaceleração da economia desde 2011.

A recessão profunda que se seguiu aos cortes massivos de investimentos públicos realizados a partir de 2015 turbinou essa tese, ainda que o reajuste brusco das tarifas administradas, os juros mantidos altos, a queda no preço das commodities e o impacto econômico da Lava Jato também tenham tido seu papel.

Alguns defensores da estratégia usaram a deterioração fiscal que acompanhou a própria queda do PIB e da arrecadação para afirmar que nem sequer houve ajuste.

Outros reconheceram o esforço de cortar despesas, mas consideraram que seriam necessárias medidas adicionais. Além disso, argumentaram que os resultados positivos da política não viriam tão rapidamente: a recessão ainda seria fruto de malfeitos dos anos anteriores.

Em meio à aprovação de um teto de gastos e às falsas promessas de reforma da Previdência, a dívida pública continuou subindo. A economia, por sua vez, passou a contar com a ajuda da melhora no cenário externo e de políticas pontuais de estímulo ao consumo, tais como os saques de FGTS e PIS-Pasep. Na recuperação mais lenta da história das crises brasileiras, não há sinais de que os investimentos privados vão atuar como motor.

Preocupados com o fracasso patente da estratégia definida há mais de três anos, seus defensores continuam dividindo-se entre os que negam que tenha havido contração fiscal e aqueles que ignoram seus efeitos recessivos. Os últimos têm cobrado evidências sólidas de hipóteses que ninguém adota: de que os cortes de gastos públicos são os únicos responsáveis pela crise ou de que a expansão fiscal explicou todo o crescimento da segunda metade dos anos 2000, por exemplo.

Tentam assim transferir o ônus da prova e projetar nos demais o simplismo de suas próprias teses. Que ninguém peça um estudo econométrico que prove que toda a recessão de 2015-2016 foi gerada por excesso de gastos nos anos que a antecederam é sinal de que, quando se opta por analisar a economia com suas complexidades, não há benefício algum em subestimar seus interlocutores.
 

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