Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Laura Carvalho
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Dilma não pagou apenas por seus acertos

A Ponte para o Futuro é o abismo nosso de cada dia

A então presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, durante cerimônia de anúncio de novas medidas do plano Brasil Maior
A então presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, durante cerimônia de anúncio de novas medidas do plano Brasil Maior - Sergio Lima - 3.abr.12/FolhapressFolhapress

No livro “Lulismo em Crise” (Companhia das Letras, 2018), André Singer analisa exaustivamente as condições políticas que levaram ao que chamou de “ensaio republicano” e “ensaio desenvolvimentista” do governo de Dilma Rousseff e, posteriormente, à sua derrubada

A demissão de membros corruptos do alto escalão do governo e da Petrobras seria consequência, segundo o autor, da percepção de que “apenas um Estado republicanizado seria capaz de reindustrializar o Brasil”.

No âmbito da política econômica, o objetivo da reindustrialização teria se refletido na redução da taxa de juros básica pelo Banco Central, no uso de bancos públicos para reduzir spreads bancários, na desvalorização do real e no controle de tarifas de energia elétrica.

Singer não inclui aí as desonerações da folha de pagamento, que seriam reflexo do enfraquecimento de Dilma após a ofensiva das “onças cutucadas pelos ensaios”.

A perda de sustentação política é que, segundo ele, teria levado o governo a atuar em “zigue-zague”, abandonando a boa estratégia inicial.


É verdade que o governo Dilma adotou uma política industrialista, fundamentada na visão de que o forte dinamismo do mercado interno no segundo governo Lula beneficiou mais os setores de serviços e a construção civil do que a indústria de transformação em razão de fatores que reduziam a lucratividade dos setores produtivos e prejudicavam sua capacidade de concorrência. 

Com o uso de tarifas de importação, taxas de câmbio diferenciadas e outros instrumentos que marcaram o desenvolvimentismo do pós-guerra proibidos pela OMC, as propostas para a reindustrialização do país passaram a girar em torno da desvalorização do real e de medidas para reduzir custos dos setores industriais que perdiam espaço desde a abertura dos anos 1990. O problema é que esses “novos” instrumentos —de redução de custos com impostos, tarifas e mão de obra— geram prejuízos fiscais e distributivos que afetam a economia como um todo.


As desonerações, aliás, não só fazem parte do conjunto de medidas voltadas para restabelecer a competitividade dos setores industriais como já estavam presentes nas propostas que saíram do seminário que reuniu Fiesp e centrais sindicais em 2011 e constituíram o cerne do plano Brasil Maior, anunciado pelo governo em agosto daquele ano.

O corte de investimentos públicos, que visava criar condições para a redução de juros pelo BC, contribuiu para desestimular o mercado interno. A redução dos juros em meio à reversão dos fluxos financeiros internacionais, por sua vez, precipitou uma desvalorização brusca do real, causando inflação e contribuindo para frear salários e consumo. 

Diante de expectativas cada vez menores de crescimento das vendas e do aumento da capacidade ociosa, os empresários ainda endividados não viram nenhuma razão para investir. 

O fracasso da Agenda Fiesp —como chamo esse conjunto de medidas no livro “Valsa Brasileira” (Todavia, 2018)— não parece ser fruto de pressões políticas. A perda de sustentação política é que parece ter sido agravada pela incapacidade de uma agenda voltada para preservar a lucratividade da indústria do século 20 de estimular uma economia que passou a sofrer também os impactos do fim da alta no preço das commodities e da crise europeia. 

Diante de conflitos distributivos cada vez mais exacerbados sobre a renda nacional e o Orçamento público minguantes, a agenda de redução de custos com impostos e mão de obra fez o rebranding necessário para atrair outro público-alvo, passando a chamar-se Ponte para o Futuro —no caso, o abismo nosso de cada dia.

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