Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Laura Carvalho

Se votar em Bolsonaro, eleitor tucano pode ajudar a matar seu partido

Enterro da centro-direita pode significar um golpe poderoso nas perspectivas de um Brasil democrático

“Qual de nós quer pertencer ao clube dos países execrados, como Filipinas, Turquia, Venezuela?”, indagou o ex-vice presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) Ricardo Semler no artigo intitulado “Alô, companheiros de elite”, publicado nesta Folha na terça-feira (2). 

“Precisamos de tempo, como nação, para espantar a ignorância e aprendermos a ser estáveis. Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas. O Brasil é maior do que isso, e as elites podem, ficar também. Confiem”, finalizou o empresário.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo concedida no dia 13/9, o ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati já havia reconhecido que o partido cometeu erros memoráveis ao questionar o resultado das eleições de 2014, aderir ao impeachment e se aliar ao governo Temer. Segundo Jereissati, os tucanos abandonaram seus “princípios básicos” e foram “engolidos pela tentação do poder”. 

É mesmo difícil imaginar o PSDB fora do segundo turno das eleições presidenciais deste ano caso a ex-presidente Dilma Rousseff tivesse concluído seu mandato. 

Mas, se o impeachment já causou muito mais danos ao próprio PSDB do que ao PT, que saiu fortalecido, a adesão em massa do eleitorado antipetista à candidatura de Jair Bolsonaro pode sepultar de vez a centro-direita brasileira e o já frágil equilíbrio político do país.

Se fizer como João Doria e optar por desidratar a candidatura de Geraldo Alckmin já no primeiro turno, o eleitor tucano pode mais uma vez ajudar a matar seu próprio partido, em vez daquele que considera o inimigo. 

Além disso, a instabilidade político-econômica causada por essa escolha parece estar sendo ainda mais subestimada do que a que marcou o pós-impeachment. 

Ao menos por duas vezes na história do século 20, a elite brasileira já se viu com poucas chances de vitória eleitoral e optou por embarcar na aventura de apoiar candidatos carismáticos alojados em partidos nanicos: foi o caso de Jânio Quadros, em 1960, e de Fernando Collor, em 1989.

Eleito pelo pequeno PTN com apoio da UDN e de Carlos Lacerda, Jânio logo perdeu o apoio de ambos, pois agia de forma errática na política externa e na política econômica sem nem sequer consultar a liderança udenista no Congresso. 

Sua renúncia, já em 25 de agosto de 1961, levou o vice João Goulart à Presidência em meio à forte disputa pelo poder e à instabilidade.

Concorrendo pelo PRN, Fernando Collor contou com o apoio do PFL e de todo o espectro político conservador. Antes de sua renúncia, que se deu em 1992 após seu afastamento por um processo de impeachment, a aventura causou ainda mais estragos: além do trauma do confisco da poupança, levou à perda de 920 mil postos de trabalho e deixou a inflação na casa dos 1.200% ao ano.

Não é apenas pela forte incerteza que permeia sua agenda econômica, portanto, que a agência de classificação de risco S&P acerta em considerar muito mais arriscada a eleição de Jair Bolsonaro do que a de Fernando Haddad para o cenário futuro do país. 

A eleição de um aventureiro com viés autoritário e nenhuma capacidade de articulação causaria um sismo de alta intensidade no já debilitado sistema político brasileiro. 

O PT e a esquerda, na oposição, podem até sair fortalecidos mais uma vez em meio ao caos. Mas o enterro da centro-direita pode também significar um golpe poderoso nas perspectivas futuras de um Brasil democrático, inclusivo e com instituições estáveis.

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