Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Laura Carvalho

Estudos mostram peso da economia para avanço de candidaturas antissistema

Parte da explicação para o resultado da eleição do Brasil pode estar na crise e na lenta retomada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A eleição de Donald Trump nos EUA, o voto pelo “brexit” no Reino Unido e o crescimento de candidaturas caracterizadas como populistas —à direita e à esquerda— em diversos países europeus nos últimos pleitos eleitorais vêm suscitando intenso debate acerca das particularidades e traços comuns a esses fenômenos.

Uma das principais linhas de investigação nas áreas de ciências sociais aplicadas vem sendo a de identificar o peso da maior insegurança econômica, de um lado, e de fatores como o racismo, o sexismo, a xenofobia e o conservadorismo moral, de outro, na explicação dos padrões de votação observados.

Nigel Farage, um dos líderes do "brexit", durante convenção do Partido Conservador britânico em Birmingham
Nigel Farage, um dos líderes do "brexit", durante convenção do Partido Conservador britânico em Birmingham - Darren Staples - 30.set.18/Reuters

Como no caso de todo fenômeno complexo, as causas são múltiplas. As condições econômicas podem, por exemplo, estar associadas a fatores de natureza cultural ou comportamental típicos do voto conservador, na medida em que eleitores procuram culpados para a piora de sua situação material. 

Feita esta ressalva, diversos estudos concluíram que os fatores econômicos foram fundamentais para o crescimento dessas candidaturas antissistema nos países ricos.

Um estudo de Jacob Bor publicado em 2017, mostrou, por exemplo, que a maior migração de votos para o Partido Republicano nos EUA entre 2008 e 2016 ocorreu nas localidades com menor crescimento da expectativa de vida.

Já Andrew Healy e Gabriel Lenz (2016) encontraram que a migração de votos para Trump foi maior onde o crescimento dos salários foi mais lento.

Ao separarem a base de dados por raça, Jon Green e Sean McElwee (2018) encontram evidência de que a perda do emprego aumentou a probabilidade do voto em Trump, no caso dos eleitores brancos, e a probabilidade do não comparecimento à urnas de eleitores negros.

Quanto aos efeitos da globalização, os estudos de Christian Dippel, Robert Gold e Stephan Heblich (2016) para o caso alemão, David Autor, David Dorn, Gordon Hanson e Kaveh Majlesi (2017) para o caso norte-americano e Clément Malgouyres (2017) para o caso francês mostram que o apoio à extrema direita aumentou nas localidades que mais sofreram com a entrada de produtos importados.

Em artigo de 2017, Sascha Becker, Thiemo Fetzer e Dennis Novy concluem que é possível prever razoavelmente bem o voto a favor do “brexit” no Reino Unido a partir das características socioeconômicas que explicam o voto em Marine Le Pen, na França, e vice-versa. 

No estudo, a qualidade dos serviços públicos e a exposição ao comércio e à imigração explicam uma parte pequena da variação na distribuição dos votos entre as localidades dos dois países. A maior parte dessa variação parece ser explicada pela idade e pelo nível educacional do eleitor.

No entanto, como apontam os autores, o nível educacional pode estar captando também o nível de fragilidade econômica do eleitor, ou mesmo a maior suscetibilidade à propagação de notícias falsas, por exemplo.

A comparação entre esses fenômenos e as eleições brasileiras de 2018 exige muito cuidado. Para além de particularidades que envolvem desde o papel das igrejas evangélicas à desilusão causada pelos sucessivos escândalos de corrupção e sua espetacularização, há enorme diferença quanto à nossa inserção no comércio internacional e nos fluxos migratórios globais.

Ainda assim, o fato de as eleições presidenciais terem ocorrido logo após uma das maiores crises —e em meio à mais lenta das recuperações— da história econômica brasileira não pode ser descartado, a priori, como explicação de parte desse resultado. A ausência desse tema no debate em curso é, no mínimo, mau sinal.
 

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.