Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Antes tarde

Finalmente caminhamos para um consenso de que é necessário rever o teto dos gastos

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O Orçamento apresentado para 2020 parece ter acendido o sinal de alerta entre membros do governo e do Congresso sobre a extensão do drama que ameaça o país. Afinal, além de reduzir os recursos para investimentos na construção e reparo de infraestrutura para o menor patamar da série histórica, a proposta corta dos programas sociais e pode levar à total paralisação de ministérios.

Diante dos riscos de shutdown, de nossas já limitadas possibilidades de recuperação da economia e de uma reforma da Previdência em vias de ser aprovada, vários economistas vêm deixando de reproduzir falácias como a de que “não há dinheiro” para se dedicarem ao debate econômico sério sobre a necessidade de revisão da regra fiscal mais irracional do planeta: a PEC do teto de gastos.

Não que a insustentabilidade da regra seja uma surpresa: os que realmente gostam de fazer contas vêm demonstrando desde a tramitação da PEC no Congresso, em 2016, que as despesas não obrigatórias teriam de cair a patamar menor que o exigido para manter a máquina pública funcionando, o que inviabilizaria o cumprimento da regra mesmo com a mais draconiana reforma da Previdência.

As comparações internacionais deixam claro que em nenhum outro país com algum tipo de limite para o crescimento dos gastos o reajuste máximo se dá apenas pela inflação do ano anterior. Na maior parte deles, o teto vale para um conjunto de despesas menos abrangente e permite um crescimento de 2% ou 3% ao ano em termos reais —ou de acordo com a projeção de crescimento do PIB potencial para os anos seguintes—, estabilizando, em vez de reduzir, a participação dos gastos públicos na economia.

Aqueles que queriam aproveitar a situação de desequilíbrio fiscal para rever o contrato social de 1988 defenderam colocar na Constituição uma regra fiscal claramente insustentável apenas pelo que afirmaram ser o seu poder de “explicitar os conflitos distributivos sobre o Orçamento”.

Quem sabe, ao colocar os beneficiários de bolsas de pesquisa contra os do Bolsa Família ou a turma da cultura contra os investimentos em segurança, todo o mundo não acabaria apoiando qualquer reforma da Previdência ou o fim da obrigatoriedade de despesas com saúde e educação, não é? Só que, no fim das contas, quem continuou garantindo bom reajuste salarial na disputa pelo Orçamento de 2020 foram 
os militares, por exemplo.

Mas, como a regra prevê o acionamento de gatilhos automáticos em caso de descumprimento, que impedem o reajuste real do salário mínimo, dos salários de servidores e a realização de novos concursos públicos, muitos aguardam ansiosos pelo clímax da história: o momento em que as despesas vão subir até o teto, acionando os gatilhos. Não importa que o grand finale aconteça em um país com maiores índices de pobreza, viadutos desabando, caminhões perdidos em crateras, pesquisas abandonadas e uma economia que não sai do lugar.

Aos mais razoáveis, que ainda tentam encontrar justificativas não ideológicas para a imposição de um teto fadado ao colapso, insisto: não, não é verdade que a regra foi responsável por ancorar expectativas de inflação e reduzir as taxas de juros no país nos últimos anos.

A inflação já estava caindo antes da aprovação do teto pelos efeitos da própria recessão. E, com a inflação no piso da meta, os juros poderiam ter caído ainda mais se não fosse a alta do dólar puxada pelo ciclo financeiro global e o conservadorismo do Banco Central. Introduzir uma regra fiscal insustentável na Constituição para retirá-la depois de três ou quatro anos não ajuda em nada a construir alguma credibilidade com os agentes econômicos.

Mas o que importa é que estamos finalmente caminhando para um consenso —que hoje só exclui os mais radicais— de que é necessário rever a regra em sua forma atual. Façamos agora, portanto, o debate interditado em 2016 sobre que regras escolher para garantir o ajuste de médio prazo sem causar danos à economia.

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