Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Professores temem confiar na direção da escola e em colegas

Docentes muitas vezes são largados em sala de aula pela direção das instituições

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Diante da atitude violenta de um aluno em sala de aula, uma professora não sabia como agir. Teve medo de dividir o problema com os colegas e com a direção da escola, temia ser julgada por todos. O que fez então? “Fui para casa e chorei sozinha.”

O episódio foi relatado a pesquisadores do Observatório do Professor, que ao longo de 2018 acompanharam a rotina de educadores brasileiros. A principal conclusão foi a de que é a solidão o sentimento que predomina no dia a dia desses profissionais. 

Eles não se sentem seguros para relatar suas dificuldades no ambiente escolar. Diretores, coordenadores e até outros professores —ninguém parece muito confiável.

A pesquisa foi realizada pelo Instituto Península, braço social da empresa de mesmo nome fundada pelo empresário Abílio Diniz para gerir a fortuna da família, atualmente avaliada em R$ 10 bilhões. A proposta é melhorar a educação brasileira a partir da transformação dos professores. A fim de entender quais são suas angústias, medos e paixões, o Observatório utilizou metodologias diversificadas, do acompanhamento presencial de dez educadores durante 48 horas à participação, por mais de 3.000 horas, de grupos de redes sociais com um total de um milhão de membros.

Entre as causas da sensação de solidão, o levantamento aponta a necessidade de se dar aulas em mais de uma escola, o que dificulta a construção de um círculo de confiança com os colegas. É conhecido esse corre-corre para garantir uma remuneração minimante satisfatória. A pesquisa Profissão Docente, feita pelo Ibope em 2018 para o movimento Todos pela Educação, constatou que 37% trabalham em mais de uma escola. Além disso, 29% realizam outras atividades para complementar a renda. O número é maior dentre os profissionais de colégios particulares (38%), seguido pelos que atuam nos estaduais (30%) e nos municipais (22%).

Nessa mesma pesquisa, o tema da solidão foi colocado aos entrevistados através da seguinte afirmação: “No geral, minha rotina como professor é solitária, sinto falta de dividir as minhas decisões com outros profissionais na escola”. As respostas iam de 0, para “discordo totalmente”, a 10, “concordo totalmente”, e a média foi de 4,8. A maior parte dos professores, portanto, afirmou não se sentir tão só.

Não há como concluir que esse tenha sido um resultado contraditório ao do novo estudo. No Observatório, uma pesquisa qualitativa, a solidão foi notada pelos pesquisadores que foram a campo, através da observação, de relatos e da troca de experiências dentre os professores. Na Profissão Docente, quantitativa, os próprios educadores tiveram que concordar ou discordar da afirmação de que se sentem sós. E a maioria discordou. Por outro lado, 80% afirmaram que a colaboração é importante para lidar com adversidades na sala de aula e 40% disseram que a dificuldade de que isso ocorra está ligada ao fato de acumularem trabalhos e não poderem ficar muito tempo nas escolas. A metade não recomendaria a profissão a um jovem.

O ambiente escolar, é mais do que sabido, está longe de soar acolhedor. No Observatório, principalmente voltado à rede pública, as escolas são descritas de modo assustador: cadeia, depósito de alunos, manicômio, abandonadas, desorganizadas. Aos estudantes são associados termos como preconceito social, violência, drogas, racismo, fome, pobreza e famílias desestruturadas. Uma professora comenta a complexidade de se ensinar uma menina de nove anos que cuida dos irmãos menores e precisa providenciar a alimentação de todos. Menciona os tantos alunos que têm pais e mães alcoólatras, viciados em drogas, presos. E se resigna: “Muitas vezes não temos como ajudar”. Outra educadora lembra-se da faculdade: “Só falavam em crise e problemas”.

A psicóloga Rosely Sayão, que desde a década de 1980 presta consultoria a escolas particulares, percebe nos últimos anos uma crescente sensação de solidão dentre os professores. “A maior parte das escolas larga o professor na sala de aula, ele que se vire com os alunos.” Mesmo as melhores, ela diz, têm dificuldade de entender a importância de se construir uma equipe. Não são raras hoje demissões após julgamentos em tribunais de grupos de WhatsApp de pais e mães. “A escola não fica do lado do professor. Se não o demite diretamente, faz pressão para ele sair.”

Pais e mães são vistos e se comportam como clientes, e escolas deixam de se portar como instituição. Nessa relação de consumo, os professores estão sem respaldo, sós. Tudo isso temperado pelo ambiente político, em que o presidente da República compartilha vídeo de aluna brigando com professora por criticar o guru do governo.

Já não é incomum o relato de educadores intimidados por alunos que sacam o celular no meio da aula para filmá-los, em uma relação sem vínculo afetivo ou confiança.

No mês passado, esse clima inspirou piada do Porta dos Fundos. Filmada por todos os alunos, crianças em torno de dez anos, uma professora negra, apavorada, foge de afirmações assertivas. Diz que na “suposta escravidão do Brasil”, sobre a qual “há controvérsias e há quem prefira chamar de mão de obra gratuita”, “sou obrigada por lei a lembrar que o Brasil cresceu como nunca”. A respeito de 1964, que “muitos diriam que foi golpe, outros, revolução”. E que “alguns historiadores afirmariam que teria existido um suposto holocausto em que teria morrido muita suposta gente”.

Da direita à esquerda, diante da suposta solidão dos professores, é para rir ou chorar?

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