Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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É sério: governo abriu concurso de desenho da bandeira da capa dos livros didáticos

Os convocados são alunos do ensino médio de escolas públicas; os vencedores serão premiados

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Jair Bolsonaro dá boas-vindas à educação em 2020 dizendo que os livros didáticos são um “lixo”, “um montão de amontoado de coisas escritas” e que vai mudar tudo em 2021: “Serão nossos, feitos por nós”.

Entre as alterações que, promete, farão os pais vibrarem, estão a bandeira do Brasil na capa e o hino nacional como conteúdo.

Por mais tentador que seja rir da tragicomédia, o avanço do autoritarismo dá as caras no Ano Novo de forma assustadora. E o governo definitivamente não está brincando: nesta segunda-feira, dia 6, publicou no Diário Oficial da União um edital com um concurso para escolher o desenho da bandeira para as capas dos livros do ensino médio.

Os convocados são alunos do ensino médio de escolas públicas, as inscrições começam em 21 de fevereiro, o resultado sai em agosto, e os vencedores serão contemplados com computadores e uma viagem a São Paulo para a premiação, a ser realizada na Bienal Internacional do Livro.

Entre os critérios estão “criatividade, contemporaneidade, harmonia estética, autenticidade e expressividade”.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Educação, Abraham Weintraub
O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Educação, Abraham Weintraub - 06.ago.2019 - Pedro Ladeira/Folhapress

Parece inofensivo, não é. Estampa a tentativa de controle do que se ensina e a distância de uma preocupação real com a urgente melhoria da qualidade de ensino no país. E, ademais, governos ditatoriais, de direita ou de esquerda, adoram bandeiras.

Na ditadura militar brasileira, por exemplo, no Brasil do Ame-o ou Deixe-o, Médici assinou uma lei que definia em detalhes de que forma a bandeira deveria ser utilizada e proibia desrespeito ao símbolo nacional —que não poderia servir, entre outros fins, como cortina, toalha de mesa ou guardanapo. A mesma lei obrigava que nas escolas, uma vez por semana, a bandeira fosse hasteada, e o hino nacional, executado. 

Somente a versão chancelada pelo governo seria permitida, e caberia ao Ministério da Educação realizar um concurso para definir quais seriam as partituras oficiais. 

Parece uma bela ideia para o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, que abriu 2020 entoando Roberto Carlos em seu Twitter —“Eu voltei, voltei para ficar...”— e endossando o discurso de Bolsonaro ao prometer “uma limpa” nos livros didáticos para tirar o que chamou de “porcaria”, tudo aquilo de “que a gente não gosta”.

Quando o governador de São Paulo, João Doria, mandou jogar apostilas em sacos pretos, no ano passado, por discordar da forma como retratavam a questão de gênero, falamos aqui sobre a ideologia em materiais escolares.

Ainda que seja inevitável algum viés ideológico em conteúdos didáticos, a busca por uma maior pluralidade é a saída democrática, o contrário do que demonstram esses recentes shows despóticos.

Outro símbolo da ditadura, as aulas obrigatórias de Educação Moral e Cívica (EMC), está na pauta do Ministério da Educação deste ano.

O decreto-lei que criou essa disciplina escolar, em 1969, também instituiu a Comissão Nacional de Moral e Civismo, responsável por um doutrinamento pró-ditadura em meio aos professores.

Dentre as atribuições previstas em lei, havia a de assessorar o ministro da Educação “na aprovação dos livros didáticos, sob o ponto de vista da moral e do civismo”.

Hoje há diversos projetos de lei para retomar a famosa EMC. Dentre eles, no Congresso, um apresentado pelo Cabo Daciolo, glória a Deux.

Além dos federais, eles estão por aí em assembleias e câmaras municipais. Em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, foi aprovada a obrigatoriedade para o 5º, 8º e 9º anos do fundamental em escolas municipais. 

Espero que seja só uma coincidência com o fato de ser a mesma cidade de Miguel Nagib, o criador do Escola Sem Partido, movimento apoiado pelo governo que prega controle sobre o que dizem os professores, e onde eu nasci e passei a infância tendo aula de Educação Moral e Cívica e fazendo fila militar na escola às quartas-feiras para assistir ao hasteamento da bandeira e cantar o hino nacional.

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