Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Bolsonaro e o miojo da Turma da Mônica

Ministro Sergio Moro entra no debate da publicidade infantil e lança consulta pública para regulamentar o tema no país

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Escola é lugar de propaganda? Pode ser sim, de acordo com o novo capítulo da novela sem fim em que se transformou o debate sobre a publicidade infantil no Brasil.

O protagonista do mais recente episódio é o ministro Sérgio Moro, que lançou uma consulta pública para regulamentar o tema.

O texto põe abaixo o entendimento de que qualquer publicidade dirigida à criança é abusiva e, portanto, ilegal, conforme a resolução de 2014 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).

A base é a de que o estímulo ao consumo se aproveita da imaturidade e da vulnerabilidade inerentes à infância. O mercado publicitário ignora a proibição, que não reconhece como lei, e a Justiça entra em cena quando há denúncias.

O ministro da Justiça, Sergio Moro
O ministro da Justiça, Sergio Moro - Pedro Ladeira - 11.dez.2019/Folhapress

A consulta pública de Moro, por sua vez, levanta a bola daquilo que os anunciantes querem e, para isso, praticamente repete regras já estabelecidas por eles no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

A proposta, aberta a sugestões até o dia 27, tem exigências que não causariam grandes dificuldades à publicidade, como a de não dirigir “apelo imperativo de consumo” para crianças e a de vetar a presença delas em anúncios de bebidas alcoólicas ou de armas de fogo.

Damares Alves foi a primeira bolsonariana a atuar nessa novela, um debate acirrado no país desde os anos 2000, quando ONGs de defesa da criança, em especial o Instituto Alana, passaram a militar contra a propaganda para esse público, associada a males como consumismo precoce e obesidade na infância.

Em abril de 2019, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos solicitou a revisão das normas ao Conanda, vinculado ao ministério sob sua responsabilidade.

O conselho negou, e a guerra fria se estabeleceu. Em setembro, decreto do presidente Jair Bolsonaro reduziu de 56 para 36 o número de conselheiros do Conanda, o que depois terminou suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. Com o impasse sob Damares, Moro foi escalado.

Algo que a resolução do Conanda veta especificamente, e que foi abortado no texto agora em consulta pública, é a propaganda em escolas.

Um ofício do Ministério da Educação, também de 2014, reforçou essa orientação. Tornaram-se, portanto, proibidas práticas não raras no ensino público e privado, como festas juninas patrocinadas por marcas, inclusive de cervejas.

Alguns casos ficaram conhecidos, e o mais ruidoso foi o dos shows do palhaço Ronald McDonald em creches e em escolas de educação infantil, que renderam à rede de fast-food uma multa de R$ 6 milhões.

Era um projeto de grande porte, realizado em vários estados do país. Fora dos holofotes, outras tantas ações tratavam ambientes escolares como shoppings.

Certa vez, por exemplo, um tradicional colégio particular no Itaim Bibi (zona sul de São Paulo) colou nos bebedouros anúncios da nova temporada do desenho Ben 10.

A resolução do Conanda faz a ressalva de que são permitidas campanhas de utilidade pública sobre alimentação, saúde etc. que não configurem estratégia publicitária. É subjetivo.

Vejamos um projeto assim, o da Colgate, que leva dentistas para falar com alunos de 6 a 10 anos, no programa Sorriso Saudável, Futuro Brilhante, no qual distribuiu seus produtos. Não configura estratégia publicitária? A polêmica é grande.

Nessa novela da publicidade infantil, estão em jogo os limites entre o papel do Estado e o dos pais na proteção da criança.

O enredo embolou quando tablets e celulares chegaram às mãos até de bebês, com uma enxurrada de vídeos, muitos deles protagonizados por youtubers mirins, que confundem até os adultos sobre o que é e o que não é propaganda.

E tem briga de rodar o coelho Sansão entre os que dizem ser bom haver maçã da Turma da Mônica para convencer as crianças a comer a fruta e aqueles que lembram que comida sem personagem é mais barata e que a dentuça de Mauricio de Sousa desfila também em embalagens nada saudáveis, como de salsicha e miojo.

Bolsonaro, fã declarado de miojo, deixou claro aprovar os da Turma da Mônica. Vamos aguardar para saber se é a favor dos shows do Ronald McDonald nas escolas.

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