Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Escolas devem se preparar para receber crianças com medo na reabertura

Redes pública e privada de ensino trabalham com a expectativa de que retorno gradual se dê a partir de 20 de julho, com a possibilidade de revezamento de turmas e de alunos

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Permanecer sentado na sala de aula até durante o recreio, usar máscara o tempo todo e não poder se aproximar dos amigos por nada. Tudo isso sob a vigilância dos professores e demais funcionários da escola, alçados a fiscais do distanciamento.

Está longe de ser acolhedor o cenário do retorno às aulas presenciais após o isolamento social imposto pelo coronavírus. Por ora não há data para a retomada das escolas no Brasil, mas as redes pública e privada trabalham com a expectativa de que se dê a partir de 20 de julho, de forma gradual, com a possibilidade de revezamento de turmas e de alunos em dias diferentes da semana, a fim de reduzir o risco de contágio.

Após todas as dificuldades do confinamento prolongado, crianças e adolescentes ainda terão que encarar esse ambiente desconhecido e inóspito no retorno às escolas. Diante disso, é natural que, apesar de ansiosos para rever a turma e retomar a rotina, sintam medo e frustração nesse tal do novo normal. Passar por cima disso e concentrar esforços em colocar o conteúdo em dia é tudo o que as escolas não podem fazer. O calendário está apertado? Paciência. Nesse momento, impor pressão e atropelar os alunos, sufocados inclusive por máscaras, só vai piorar as coisas.

A socióloga e educadora Maria Helena Guimarães de Castro, que atuou como secretária de Educação de São Paulo e secretária executiva do Ministério da Educação, afirmou à coluna que o aspecto socioemocional será abordado em um novo parecer sobre a retomada às aulas a ser elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), do qual ela é conselheira. O CNE é o responsável por estabelecer os parâmetros da reabertura das escolas e da reorganização do calendário letivo no Brasil. Nesta semana, Castro participou do Fórum Nacional de Retomada às Aulas Presenciais, que teve o segundo dia dedicado a debates sobre o acolhimento emocional pós-pandemia.

O medo da retomada às aulas presenciais vem sendo observado em diversos países. E não só em alunos e familiares, como nos professores. Uma pesquisa na Escócia mostrou que 83% dos profissionais da educação temem o retorno, e 13% deles chegam a perder o sono com isso. Na Alemanha, em que a volta parcial já começou, houve até uma campanha de boicote às aulas por adolescentes, que temiam não só a contaminação por Covid-19, como a cobrança por bom desempenho nas provas.

De origem alemã e com 9.000 alunos, o colégio Porto Seguro, que deu início às aulas a distância 15 dias antes do decreto da quarentena do governo de São Paulo, observa a experiência dos pares europeus para planejar o retorno. Em meio aos cálculos com o calendário, à preocupação com a recuperação dos alunos e à complexidade dos protocolos de biossegurança, desenvolve um trabalho socioemocional com os educadores. A ideia é que se eles estiverem seguros e emocionalmente equilibrados deverão contaminar positivamente os estudantes e as famílias. Será também reforçada a atuação dos orientadores educacionais, que nos dois primeiros meses de confinamento realizaram remotamente 7.000 atendimentos a alunos e seus familiares.

Uma nota técnica divulgada pela ONG Todos Pela Educação orienta que as escolas considerem o impacto emocional do confinamento, em especial a ocorrência da síndrome de estresse pós-traumático. Lista suas consequências para crianças e adolescentes, como ansiedade, depressão, dificuldade de concentração e agressividade. Alerta para a tendência do aumento da evasão escolar em contextos de maior vulnerabilidade econômica, ou seja, na maior parte do país, e considera o suporte psicológico a alunos e professores estratégico para minimizar esse risco.

Traumas, álcool gel e máscaras à parte, a volta às aulas novas-normais pode, contudo, se beneficiar dos legados positivos da crise. Para além das ferramentas tecnológicas, que ganharam de vez o aposto “vieram para ficar”, a ONG observa que a crise estabeleceu um fortalecimento da relação entre as famílias e as escolas.

Psicóloga e pedagoga, Meire Nocito, que é diretora educacional do Porto Seguro, defende que a própria experiência do confinamento seja trabalhada em sala de aula na busca pelo reequilíbrio dos alunos e dos professores. Como foi a convivência em família? O que fizemos de interessante? Como conseguimos estudar? Quem teve que lidar com o luto? Ajudamos alguém? O que foi mais difícil? O que aprendemos?

Não faz sentido virar essa página às pressas para se jogar nos livros didáticos. Se essa lição ficar pós-coronavírus, talvez a educação, ao invés de retroceder, terá progredido.

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