Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Ficar sem videogame não é castigo adequado no confinamento, defende médico

Especialistas frisam que tecnologia é única forma de interação e que refletir sobre conteúdo é mais importante que seguir limite estrito de tempo de tela

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São Paulo

Quem diria, já faz quase meio ano que estamos confinados com os filhos em casa, e a sensação de que a quarentena seria um tempo de exceção dá lugar à de que ela se estabelece como vida normal. Ok, vamos ao clichê insuportável, vida "novo normal". É tempo de repensar rotinas, combinados, regras. Com a panela de pressão da convivência excessiva apitando, ou mesmo explodindo, surge o castigo novo normal.

Nesse cenário, é natural que o videogame, celular e o computador, depois de uma fase inicial que tendeu para o “liberou geral”, voltem a ser controlados pelos pais e até colocados por eles como moeda de troca nos conflitos com crianças e adolescentes.

É preciso, contudo, lembrar que vivemos um período de transição. Sem escolas e sem a convivência com amigos, a vida de crianças e adolescentes está longe de ser normal. Por um lado, é saudável restabelecer limites, compatíveis com a compreensão de que não estamos passando por uma breve fase na qual, privados de tanta coisa, podemos permitir que virem madrugadas jogando, tomando refrigerante e comendo chocolate.

Por outro, é preciso ter cuidado: não é hora de usar a proibição do videogame como um castigo, na avaliação do pediatra e psicólogo Eduardo Goldenstein, do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

“Há pais que dizem a tensão é tamanha no confinamento que parece que estão enlouquecendo. E, para tentar melhorar o comportamento dos filhos, dão como castigo deixá-los sem videogame. Isso é colaborar para enlouquecer de vez. Essa não pode ser uma moeda de troca neste momento”, acredita o médico.

Psicóloga de um programa que atende dependentes em tecnologia no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Sylvia van Enck tem orientado os pais a considerar que a interação hoje só acontece via tecnologia, especialmente videogames. A recomendação é a de que intercalem a tecnologia com outras tarefas de convívio familiar, como uma saída para ir ao mercado, o preparo de uma comida.

“Sugerimos combinados, como ‘vamos fazer isso e depois você pode ficar tanto tempo no videogame’. Isso tem ajudado, mas é claro que está mais difícil controlar.”

Diante do uso inevitável e prolongado da tecnologia durante o isolamento social, entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes têm recomendado que, mais do que o tempo de tela, os pais considerem a qualidade do que se consome.

O boletim deste mês da Sociedade de Pediatria de São Paulo, ao abordar a saúde mental de jovens na pandemia e o estresse que vivem no confinamento, sustentou que o uso de mídias sociais deve ser supervisionado pelos pais, mas ponderou que o período diário pode ser ampliado. “O tempo de tela recomendado de duas horas por dia pode ser flexibilizado, pois mais importante do que controlar o número de horas/dia de consumo das novas tecnologias é refletir sobre o conteúdo acessado."

Os riscos da tecnologia nunca podem ser esquecidos, e eles evidentemente aumentam conforme a maior exposição às telas, desde a ansiedade pelo excesso de uso e o cyberbullying até o abuso de pedófilos, entre outras ameaças graves.

Desde que se esteja alerta a esses perigos, a avaliação é de que os pais podem ser mais tolerantes com o tempo de uso da tecnologia. E isso não está apenas relacionado à dificuldade em se preencher os dias de outra forma. Mais importante é a compreensão de que a tecnologia é uma conexão com os amigos, com o mundo do qual estão presencialmente apartados. De acordo com o artigo da Sociedade Paulista de Pediatria, “likes não garantem afeto, mas o encontro deve ser valorizado na interação por meio das redes, jogos online e conversas digitais dos adolescentes”.

Quem convive com crianças e jovens deve ter percebido que a rede de amizades foi mudando ao longo dos meses de confinamento. Afinidades que se davam na convivência presencial foram substituídas por outras nas relações a distância. Aquele melhor amigo da escola pode não ser o do confinamento. Deve-se considerar, portanto, que na pandemia, mais do que nunca, há muita coisa em jogo no videogame.

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