Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu Coronavírus enem

Por que curso extracurricular pode e aula normal não?

Esse blablablá que assola a educação desde o início da pandemia só piorou em meio à disputa eleitoral

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Que sentido faz a liberação da reabertura das escolas apenas para atividades extracurriculares, de acolhimento e de reforço, mas não para as aulas regulares? Matéria nova pode transmitir Covid-19 e recuperação não? Se é seguro que uma parte dos estudantes esteja presente, que diferença faz o que eles irão aprender?

O governo de São Paulo estipula que as instituições de ensino cumpram protocolos de saúde e limitem a 35% a presença dos alunos. Desde que se respeitem as exigências, o conteúdo a ser trabalhado devia ser problema da escola e das famílias, não do estado. Mas os bastidores de como se chegou a esse formato dão pistas do quanto as decisões sobre a educação na pandemia têm mais a ver com política do que epidemiologia.

No governo João Doria, o centro de contingência do coronavírus considerou segura a retomada das aulas presenciais a partir de setembro nas regiões que estivessem há 28 dias na fase amarela, cumprindo protocolos de um retorno gradual, com número reduzido de alunos.

Diante da pressão de professores e do medo da maioria dos pais, o governador saiu pela tangente: adiou a retomada das aulas para outubro e autorizou a reabertura em setembro só para cursos extracurriculares, acolhimento e recuperação.

Na capital, o prefeito e candidato à reeleição Bruno Covas, em consonância com pesquisas de opinião, não seguiu as diretrizes de Doria, seu aliado tucano. Vetou a reabertura em setembro e cogitou deixá-la para 2021.

Mudou de ideia horas antes do anúncio, há uma semana, após pressão do próprio governo Doria, de entidades nacionais como o Instituto Ayrton Senna, o Todos pela Educação e a Fundação Lemann, e de órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde, a Unesco e o Unicef.

Esse movimento, que surgiu em meio à melhora dos números da pandemia, ressalta os riscos do confinamento prolongado para crianças e jovens, a incoerência de se retomar tudo menos a educação e a necessidade de se começar a reabrir escolas.

No cabo de guerra entre essa nova corrente e a resistência à reabertura por parte de professores e de uma parcela ainda majoritária dos pais, Covas subiu no muro e ganhou tempo: autorizou abrir para extracurricular em outubro, mas, para aulas normais, talvez a partir de novembro, a depender dos próximos capítulos.

A argumentação para esse começo só com cursos extracurriculares, tanto de Doria quanto de Covas, é a de uma volta experimental, algo para ir calibrando as escolas para o retorno das aulas regulares.

Na prática, contudo, gestores escolares seguem desorientados quanto à retomada, não sabem exatamente o que se pode ou não oferecer, se os esforços devem se concentrar na vida presencial ou na remota.

As famílias, consequentemente, sentem-se ainda mais inseguras. Afinal, se o governo só libera extras, pode-se raciocinar, é porque prefere que os alunos fiquem em casa. A adesão foi pequena no estado, cerca de 130 dos 645 municípios, e, nos que autorizaram extracurricular em setembro, parte das escolas decidiu seguir fechada.

O decreto do governo de São Paulo, além de limitar para no máximo 35% de alunos presentes neste primeiro momento, versa sobre as atividades permitidas: reforço, acolhimento, orientação de estudo, avaliação, plantão de dúvidas, atividades esportivas e culturais.

As regras para a capital, agora em avaliação pela Vigilância Sanitária, devem ser publicadas até o fim da semana e seguir o mesmo padrão.

A reabertura gradual é coerente e se baseia em modelos testados em diversos países. É essencial que os governantes estabeleçam de que forma é seguro reabrir as escolas, quais são os protocolos de saúde a serem cumpridos, a porcentagem de alunos que pode comparecer e que duração as atividades presenciais podem ter diariamente.

Além disso, é essencial manter a presença de alunos como opcional pelo menos até o final do ano, seja para os cursos extracurriculares ou para os regulares, garantindo a continuidade do ensino remoto para os que assim necessitarem ou desejarem.

Dito isso, se a escola cumprir todas as exigências de segurança contra a transmissão e consultar as famílias sobre seus medos e suas preferências para essa retomada, que diferença faz se aqueles 35% dos estudantes presentes, com máscara, álcool em gel e distanciamento, vão recitar poesia, fazer roda de conversa com psicólogo ou aprender geometria plana e espacial para o vestibular?

Se filosofia for extracurricular em um colégio e fizer parte do currículo em outro, pode filosofar em um e no outro não?

Esse blablablá que assola a educação desde o início da pandemia só piorou em meio à disputa eleitoral, quando, mais do que nunca, em vez de medir riscos de saúde, de aprendizado e de evasão escolar, governantes candidatos preferem medir palavras.

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