Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu tecnologia

Assista a 'O Dilema das Redes', não se desespere, mas resgate seu filho do abuso da tecnologia

Há uma série de artigos científicos apontando para as consequências do excesso de tela no confinamento

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Multiplicam-se neste confinamento sem fim os relatos preocupados, às vezes, desesperados, de pais sobre o uso abusivo de tecnologia por crianças e adolescentes e sobre as consequências disso: passam dia e noite jogando, não saem das redes sociais, engordaram, desenvolveram miopia, estão com insônia, ansiosos, deprimidos.

Após mais de meio ano trancados em casa, mesclamos a gratidão ao fato de a tecnologia ter nos mantido conectados durante esse período com o medo de sua onipotência, especialmente na vida dos filhos. Em meio a essa insegurança, tornou-se sucesso entre os pais o documentário “O Dilema das Redes”, que estreou na Netflix.

O filme entrevista ex-executivos de grandes empresas de tecnologia, como Google, Facebook e Twitter, além de estudiosos, para mostrar como essa indústria desenvolve mecanismos capazes de nos prender às telas.

Foram já publicadas as mais variadas críticas ao documentário, das mais positivas (chama a atenção para os riscos do uso abusivo, evidencia técnicas de manipulação, induz ao debate etc.) às mais negativas (é alarmista, mal produzido, moralista, não traz nada novo e não oferece soluções...).

São impressões subjetivas, tenha você mesmo a sua. Mas não podemos mais ignorar que a relação de crianças e adolescentes com a tecnologia, que já não andava boa antes da pandemia, só piorou nestes últimos meses.

Há uma série de artigos científicos apontando para as consequências do excesso de tela no confinamento. Mostram-se prejuízos à saúde física e mental, aumento do isolamento e até casos de violência.

Suely Ferreira Deslandes, doutora em saúde da criança e da mulher, e Tiago Coutinho, doutor em ciências humanas, ambos pesquisadores da Fiocruz, abordam em um estudo a hiperconectividade ocasionada pela pandemia e o crescimento de práticas de automutilação e de tendências suicidas na infância e na adolescência.

A Safernet Brasil, ONG que atua para a proteção de crianças e adolescentes na internet, enviou dados alarmantes à coluna sobre a pandemia. Entre março e julho deste ano, em comparação ao mesmo período em 2019, houve um aumento de 74% de atendimentos a pais pedindo orientação sobre uso excessivo de tecnologia.

As denúncias no canal www.denuncie.org.br, para práticas abusivas no universo digital, aumentaram 137%. Relatos sobre pornografia infantil tiveram um acréscimo de 105%.

No Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, apesar de não haver uma contabilização oficial, a psicóloga Sylvia van Enck relata um aumento da procura de pais para os grupos de dependentes em tecnologia.

Segundo ela, as situações mais graves envolvem adolescentes, mas, entre crianças, observam-se problemas de irritabilidade, confrontos e intolerância entre as partes, aflorados pelo confinamento.

O potencial da tecnologia para causar dependência está entre os focos do filme “O Dilema das Redes”, que mostra, com a encenação de atores, um jovem que não larga as redes sociais nem para jogar futebol ou para sair com a garota dos seus sonhos, além de citar uma frase de Edward Tufte, professor da Universidade de Yale: “Há só duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”.

Doutor em psicologia e diretor de educação da Safernet Brasil, Rodrigo Nejm diz que devemos refletir, sem pânico, sobre a forma como usamos a tecnologia na pandemia, avaliando o que aprendemos e quais caminhos devemos seguir a partir de agora.

“Foi um período em que o uso excessivo acabou sendo naturalizado nas famílias, porque essa era a única ferramenta de conexão”, afirma. “A tecnologia foi importante para não nos manter congelados em várias atividades, como a escola, mas também nos mostrou que há prejuízos no ensino e nas relações mediadas apenas digitalmente.”

De olho no retrovisor então, ele diz, é preciso trazer crianças e jovens para essa conversa, buscar repactuar regras e combinados, restabelecendo a confiança e conhecendo o universo digital que os atrai, em vez de apenas julgá-los.

Nós e nossos filhos pensamos sobre os impactos da tecnologia, avaliamos se nosso uso é saudável, sabemos o que são algoritmos, por que e como devemos proteger os nossos dados?

E o debate é também obrigação das escolas, que, em vez de se acomodar no mantra da “tecnologia veio para ficar”, devem discutir com os alunos sobre o quanto ela foi, ao mesmo tempo, importante para manter as aulas na pandemia e para mostrar como o contato presencial com amigos e professores é essencial e insubstituível.

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