Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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É proibido defender as aulas presenciais

O grau de beligerância aumenta com a insistência em se considerar negacionismo qualquer ponderação relativa aos riscos envolvidos no fechamento

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A polarização entre os que são favoráveis e os que são contrários à retomada das aulas presenciais chegou, no Brasil, a um limite, a um só tempo, triste, vergonhoso e perigoso: uma integrante de um mandato coletivo da Assembleia Legislativa de São Paulo foi expulsa do grupo por defender a reabertura das escolas.

Raquel Marques, da Rede, era uma das nove integrantes da Bancada Ativista. Com causas comuns ligadas aos direitos humanos, o coletivo conquistou uma vaga na Assembleia em 2018.

Como a Constituição não prevê mandatos coletivos, escolheu-se como titular Mônica Seixas, do PSOL, que se tornou a deputada oficial, enquanto as outras passaram a ser tratadas como codeputadas.

Na prática, portanto, Raquel teve o seu mandato cassado por ser favorável às aulas presenciais. É grave.
Apoiando a bandeira da infância e das mães, especialmente as chamadas mães-solo, que criam sozinhas seus filhos, Raquel vinha defendendo que a reabertura das escolas era necessária para a proteção das crianças e dos adolescentes, principalmente os da periferia.

Escola Estadual Lívio Xavier, na zona leste de SP, onde houve retomada parcial das aulas presenciais - Rivaldo Gomes/Folhapress

Ela apontou para o abandono de estudantes mais pobres, cujas mães trabalham presencialmente, para prejuízos à saúde mental e para a evasão escolar.

A gota d’água para a sua expulsão se deu quando Raquel postou a seguinte frase em 29/1, Dia da Visibilidade Trans: “Queria que um dia o desrespeito ao direito da infância e adolescência ganhasse na mente da esquerda a mesma indignação que a transfobia causa”. Ela, que se declara mulher LGBTQ+, foi acusada de ser transfóbica, o que nega.

Mas a reivindicação pró-reabertura das escolas vinha incomodando o grupo. Mônica Seixas acha que a volta às aulas presenciais antes da vacinação é “política genocida”. Essa opinião encontra eco em boa parte dos movimentos de esquerda, aí incluídos os sindicatos dos professores, sendo o principal deles em São Paulo, a Apeoesp, liderado pela deputada Professora Bebel, do PT.

Os contrários à reabertura trazem à luz problemas inegáveis, como o fato de existirem escolas sem estrutura para cumprir os protocolos de saúde, e demandas justas, a exemplo da inclusão de profissionais da educação nos grupos prioritários para a vacinação.

O problema dessas vertentes é a dificuldade de dar espaço a outros fatores que precisam ser levados em conta na equação da pandemia —justamente aqueles apontados por Raquel Marques.

O grau de beligerância aumenta com a insistência em se considerar qualquer ponderação relativa aos riscos envolvidos no fechamento das escolas como negacionismo ou coisa de bolsominion.

O debate, porém, extrapola a política. Passado quase um ano do fechamento das escolas, mais e mais instituições respeitadas das áreas da saúde e da infância defendem a urgência da reabertura, entre elas o Unicef, a Organização Mundial de Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria, além de entidades ligadas à educação, como o Instituto Ayrton Senna e o Instituto Península.

A mudança de percepção trazida com o confinamento prolongado deu um nó em pais e mães militantes e simpatizantes do fechamento. Certo dia, uma pesquisadora ligada à esquerda me procurou em razão de uma matéria que eu havia escrito sobre as consequências do fechamento das escolas para a saúde mental de crianças e jovens.

Confinado, o filho dela, de 15 anos, havia tido um surto de agressividade em casa, e a família estava desestruturada. Em meio ao desespero pessoal e às crenças políticas, ela não sabia o que pensar.

Conversamos sobre a necessidade de se ampliar a equação confinamento/abertura da pandemia e falamos do quão negacionista é fechar os olhos para o que representa o fechamento das escolas para cada estudante e para o país.

Nestas duas primeiras semanas de experiências com retorno às aulas presenciais, os relatos são de crianças e jovens felizes e eufóricos por rever a turma, mas também o de casos de ansiedade e de outras dificuldades na retomada.

Muita mochila carrega coisa pesada, como luto, desemprego, depressão. Enquanto tudo isso for tratado ridiculamente como uma divergência entre direita e esquerda, o que obviamente não é, e a falta de diálogo levar à expulsão de uma codeputada que defende a reabertura, não seremos uma sociedade capaz de nos reerguer da pandemia.

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