Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Mãe deve ser fiscal de distanciamento na escola?

Projeto da Prefeitura de São Paulo pode ser passo em direção a uma aproximação entre pais e escolas

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Na divertida série “Dix Pour Cent”, da Netflix, sobre os bastidores de uma agência de atores e atrizes na França, uma das protagonistas, Andréa, é uma agente lésbica workaholic que engravida sem querer e segue trabalhando no mesmo ritmo depois que a filha nasce. Para deixar o bebê na creche, ela tem de entrar em um rodízio de mães que se revezam nos cuidados com as crianças. O humor dramático francês permeia suas tentativas desesperadas de se livrar dessa obrigação, como no dia em que deixa a filha clandestinamente em um berço da creche e foge para o trabalho.

Realidades díspares à parte, chama a atenção esse engajamento dos pais com a vida escolar dos filhos, muito explorado também por filmes e séries dos Estados Unidos. Os pais não ocupam apenas os assentos da plateia em apresentações de teatro ou feiras de artes e de ciências. Eles precisam participar ativamente dos preparativos, em um processo que agrega famílias, estudantes, professores e toda a comunidade.

Não é algo cultural no Brasil, bem longe disso, e os casos de proximidade entre família e escola são raros tanto na rede pública quanto na particular. A esperança é que isso mude a partir da experiência radical do fechamento das escolas e das vivências de um de ensino exclusivamente remoto por praticamente um ano no Brasil. Em meio à tragédia da educação na pandemia, a aproximação entre pais e escolas seria não só o lado cheio do copo como uma ferramenta essencial no processo de recuperação.

Um projeto divulgado nesta semana pela Prefeitura de São Paulo, se bem conduzido, pode caminhar nessa direção. Serão contratadas 5.000 mães de alunos para reforçar, nas escolas municipais, a aplicação dos protocolos de saúde, como medição de temperatura e controle do distanciamento social e do uso de máscaras. A exigência é de que as mulheres tenham entre 18 e 50 anos e que estejam desempregadas há pelo menos quatro meses. O contrato é de seis meses, com um salário de R$ 1.155 para 30 horas semanais, sendo 24 horas nas funções nas escolas e seis horas de cursos de qualificação profissional. Cada unidade deverá contar com pelo menos três mães.

No anúncio oficial, o secretário de Educação, Fernando Padula, abordou o aspecto econômico da medida, em meio ao agravamento do desemprego. Também se destacou como a presença das mães pode reduzir o medo do retorno presencial. São pontos essenciais, de fato. Escolas particulares têm conseguido amainar os ânimos em meio às decisões polêmicas da pandemia a partir do respaldo de comissões de pais que oferecem apoio tanto para questões financeiras quanto nas relativas à saúde.

Será preciso, contudo, que essa relação se consolide para além da pandemia e das decisões mais administrativas. Os pais devem estar mergulhados no projeto pedagógico das escolas, e isso não significa sentar ao lado do filho na aula remota ou ajudar a fazer a lição de casa. Também não é apenas medir a temperatura ou dar bronca em grupos que se aglomeram no recreio. Mas, a partir dessas experiências cotidianas, se colocar como parte da comunidade escolar e entender que caminhos os filhos seguem na educação. É deixar de lado o papel daquele que observa passivamente ou só reclama, para se colocar como parceiro dos educadores.

No centenário da Folha, que se completa nesta sexta-feira (19), aproveito para homenagear o jornal no qual trabalho há mais de duas décadas lembrando que o convite para escrever esta coluna veio com a proposta de que eu partisse não só do olhar de repórter, mas também do de mãe. Dentre as tantas qualidades da Folha que eu poderia apontar, escolho hoje a clareza de que a educação deve ser assunto prioritário no país e a aposta no olhar dos pais como essencial para esse debate.

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