Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Quem sabe o que é estudar na pandemia no Brasil real é a turma de Bruno

Em seu colégio, de 385 estudantes, 281 não têm acesso diário à internet

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​O que o Dia Internacional da Educação, celebrado nesta quarta-feira (28), tem a ver com Bruno Neiva de Oliveira, estudante da Bahia que luta para completar o ensino médio na pandemia, apesar do fechamento das escolas há quase 14 meses?

A data marca a assinatura, por 164 países, entre eles o Brasil, de um compromisso com a melhora na educação. Entre os termos do acordo, está o de que a educação deve captar o talento e o potencial dos estudantes e desenvolver sua personalidade para que possam melhorar suas vidas e transformar suas sociedades. A assinatura aconteceu em Dacar, no Senegal, no Fórum Mundial de Educação, há 21 anos, exatamente a idade de Bruno. E a história desse jovem e a de seus amigos da pequena cidade de Sapeaçu, a 150 km de Salvador, mostra que, no Brasil real da pandemia, as palavras bonitas do compromisso soam ainda mais distantes do que já soavam.

Bruno está matriculado no 3º ano do ensino médio, técnico em administração, no colégio estadual Jonival Lucas. Na prática, no entanto, mal começou a cursar o 2º. No ano passado, com a escola fechada desde março, ele não teve aulas, nem presenciais nem remotas. Os professores tentaram manter o contato com as turmas por grupos de WhatsApp, mas não tinham plataforma para dar aulas online, nem treinamento.

Bruno Neiva de Oliveira, 21, estudante do 3° ano do ensino médio do colégio estadual Jonival Lucas, da cidade de Sapeaçu (BA), que ficou sem aulas em 2020 em razão da pandemia - Arquivo pessoal

“Foi muito constrangedor o que passamos no ano passado, ficamos perdidos”, diz o jovem, que não se interessava pelas aulas veiculadas pela TV Educa, do estado. Bruno teve ansiedade por ter deixado de frequentar a escola e de se encontrar com amigos. Passou o ano ajudando o pai, que faz artesanato para vender no acostamento da estrada.

“No começo deste ano, me enchi de esperança”, conta. Em março, teve início na escola, em uma nova plataforma online, o ano letivo. De 2020. A Bahia condensou os dois anos em um e não tem previsão de retorno presencial. Ou seja, na verdade, para uma grande parte, não serão dois anos em um. Mas nenhum ano em dois.

No colégio de Bruno, por exemplo, há 385 estudantes. Desses, 281 não têm acesso diário à internet. E mesmo Bruno, que tem internet, não consegue mais acompanhar diariamente as aulas. Com o agravamento da crise econômica causado pela pandemia, ele agora precisa trabalhar com o pai pelo menos duas vezes por semana.

Nos dias em que consegue entrar nas aulas, ele conta, dos 12 estudantes matriculados na sua turma, apenas entre três e cinco costumam participar. “O máximo que eu vi foram seis alunos.” Bruno explica que seus amigos não podem assistir às aulas porque não têm internet ou porque precisam trabalhar. E, muitas vezes, em razão das duas coisas juntas: trabalham e não tem celular ou computador com internet.

Margarete Nunes Santos, 47, é professora do colégio de Bruno e se angustia com a situação. “Ficamos completamente perdidos em 2020, tentamos fazer algumas lives, mas não tínhamos treinamento, e a maior parte dos estudante é de zona rural e não tem internet”, conta. Neste ano, em que está dando aulas remotas, se entristece com o número dos que podem acompanhar: “Já cheguei a dar aula para dois alunos".

A escola tem feito a chamada “busca ativa”, procurando estudantes que se desligaram das aulas para oferecer materiais impressos e suporte para o acompanhamento remoto. Professores se esforçam para dar conta do ensino à distância.

“Muitos de nós tivemos que tirar dinheiro do bolso para melhorar a internet, comprar computador. Eu comprei um celular novo para conseguir dar aulas”, conta. “É muito difícil trabalhar assim, temos que preparar aulas sem saber como, lançar em plataformas, tentar fazer com que chegue aos alunos. Só não surtamos pela misericórdia de Deus”, desabafa.

A Secretaria de Educação da Bahia, por meio de nota, afirma que houve investimento em tecnologia para a rede de ensino, assim como no treinamento de professores e na produção de vídeo-aulas e de outros conteúdos para TV e internet. E que, das 625 escolas monitoradas, 48,9% informaram ter realizado atividades rotineiramente.

Seja como for, o Brasil real se delineia pela experiência de Bruno, para quem estudar tornou-se uma batalha, e a de muitos de seus amigos aos quais só restou a opção de desistir da escola. Como a turma de Sapeaçu, há outras tantas na Bahia e na maioria do país, com pouca ou nenhuma perspectiva.

Apenas seis estados já estão com ensino híbrido, isto é, com aulas remotas intercaladas a presenciais, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina (os dados são do último levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Educação, de 19 de abril). O restante segue, na melhor das hipóteses, com ensino remoto, que, como já ficou mais do que claro na pandemia, é insuficiente, para dizer o mínimo, no aprendizado da educação básica.

Bruno diz que quer se formar na escola e cursar faculdade de psicologia. “É mais do que uma meta, é um sonho.” Pelo acordo assinado pelo Brasil no Dia Internacional da Educação, o país tem de dar ao rapaz baiano as condições para se tornar psicólogo.

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