Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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A escola do seu filho atua para prevenir o suicídio de alunos?

Colégios têm que parar de varrer para baixo do tapete o risco que envolve crianças e adolescentes, e uma atividade ou outra no Setembro Amarelo não basta

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Chegou o Setembro Amarelo, mês da campanha de prevenção ao suicídio, e uma ou outra atividade sobre o tema deve acontecer em algumas escolas. Não basta. É preciso parar de varrer para baixo do tapete o aumento de transtornos mentais em crianças e adolescentes nos últimos anos e em especial na pandemia. Se um aluno está em risco, tentou se matar ou mesmo se chegou ao suicídio, o seu colégio tem, sim, a ver com isso. E não se trata de culpa, mas da necessidade de se assumir como corresponsável no cuidado com a saúde mental dos estudantes. As escolas devem atuar para prevenir e, se o pior acontecer, dar suporte a todos, familiares, amigos e funcionários.

Um estudo da Universidade de Calgary, no Canadá, publicado em agosto e que analisou levantamentos de 29 países, inclusive do Brasil, mostra que, na pandemia, sintomas de depressão atingiram 25,2% de crianças e jovens até 18 anos, e os de ansiedade, 20,5%. Antes da pandemia, eram, respectivamente, 12,9% e 11,6%. Dados de suicídio ou de tentativas são mais complexos de se obter, até porque muitas vezes as famílias tentam evitar o registro da internação ou da morte com a causa real. No Brasil não há uma contagem oficial, mas psiquiatras ouvidos pela coluna têm uma percepção de aumento de casos de risco de suicídio na infância e na adolescência.

Imagem de campanha do setembro amarelo. Com o fundo na cor amarela, se lê em preto: setembro amarelo mês de combate ao suicídio
Imagem de campanha do Setembro Amarelo - Divulgação

Sheila Caetano, professora de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp, e coordenadora de um programa da universidade que atende crianças e adolescentes com risco de suicídio, depressão, transtorno bipolar e psicose, relata que, em 2019, na pré-pandemia, foram 13 pacientes com comportamentos suicida recebidos no ambulatório, na Vila Mariana, em São Paulo. Neste ano, até agosto, os atendimentos já chegaram a 15. “Aumentou bastante o movimento. Muito triste”, lamenta a médica.

A noção de que as instituições de ensino devem levar essa realidade em conta ainda é rara. Ouve-se muito mais falar na formação de professores para, por exemplo, usar a tecnologia nas aulas do que para lidar com problemas emocionais dos alunos, reconhecer riscos e atuar na prevenção. Mesmo escolas de elite evitam o tema. Foi o que constatou a psiquiatra Marina Fondello, colaboradora do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP. Pouco antes da pandemia, ela tentou implementar em tradicionais colégios particulares da capital um projeto de pesquisa com o objetivo de reduzir o risco de suicídio. Não conseguiu. Diante de um assunto tabu, a negociação com as escolas não avançou.

“Há pouco interesse das escolas em participar mais ativamente da construção de estratégias para a promoção da saúde mental no ambiente escolar”, concluiu a médica. “É mais simples inserir alguma atividade sem evidência científica do que participar de um projeto de maior impacto”, ela diz, “mas isso é insuficiente”.

Tudo bem que se aproveite o Setembro Amarelo para se fazer uma palestra com pais e alunos sobre prevenção ao suicídio. O problema é parar por aí. Melhores resultados estão relacionados a trabalhos de longo prazo voltados à saúde mental, incorporados ao projeto pedagógico, conforme determina a BNCC (Base Nacional Comum Curricular, que estabelece diretrizes para a educação no país). Segundo a psiquiatra, no entanto, pouco se vê em termos de intervenções estruturadas nas escolas. Se a omissão já era danosa antes da pandemia, tornou-se ainda mais agora. A gravidade do momento, por outro lado, pode alavancar o empenho para que se incorpore o acolhimento dos alunos. Prosseguindo no otimismo, sublinhe-se que há iniciativas nesse caminho.

O Instituto Ayrton Senna realizou no bimestre passado um curso para 70 mil professores e gestores da rede estadual paulista voltado a aspectos socioemocionais. Uma autoavaliação centrada nesse tema será aplicada neste mês dentre alunos da disciplina Projeto de Vida, a fim de embasar intervenções posteriores.

O instituto também lançou um guia para a volta às aulas presenciais com os “pontos de atenção”, entre eles a necessidade de que a escola colabore com o restabelecimento da sensação de segurança e da estabilidade, crie espaços de escuta e fortaleça a relação família-escola. Há atividades propostas, como dramatizações do que cada um viveu na quarentena, um mural para que se anotem sonhos e até a seleção de memes que representem a experiência na pandemia. Para incentivar a formação de redes de apoio, por exemplo, sugere-se uma oficina em que os alunos produzam e troquem uns com os outros cartões com mensagens positivas. Há práticas de acolhimento aos professores, que, afinal, estão exaustos e sobrecarregados.

A retomada às aulas presenciais exige atenção, aponta a psiquiatra Lee Fu I, coordenadora do Ambulatório de Transtornos do Humor na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP. A reabertura das escolas é um alívio para grande parte dos estudantes, ela diz, mas envolve angústia e quebra de expectativas para uma parcela deles, decepcionados, entre outras coisas, com as novas restrições. Com o isolamento, muitos perderam o traquejo social e, na retomada, além do medo da morte, sentem dificuldades para se relacionar. Ao cyberbullying, que era o possível no confinamento, soma-se o bullying presencial.

A escola, portanto, precisa agir, e não só agora em setembro, para se manter como um ambiente saudável e de proteção para seus alunos, colaborando para detectar riscos dos mais variados, entre eles o do suicídio. E isso envolve planejamento e investimentos profundos. Como explica a psiquiatra Lee, sem meias palavras, “não basta fazer uma roda de conversa com alunos mediada por um professor que está de saco cheio porque foi obrigado a fazer aquilo sem entender por que e sem ter sido preparado”. A escola do seu filho é assim ou realmente atua para prevenir o suicídio?

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