Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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YouTube do bem X YouTube do mal

Se, por um lado, plataforma incentiva a educação, por outro, pesquisa mostra que algoritmos sugerem vídeos de crianças a pedófilos

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É assustador como algoritmos do YouTube podem levar vídeos infantis inocentes às telas de pedófilos, assim como conteúdos inadequados às de crianças e adolescentes.

Um caso específico, que aconteceu com uma menina de 10 anos do Rio de Janeiro, ilustra o tamanho do perigo. O episódio foi relatado pelo New York Times, em reportagem a respeito de uma pesquisa realizada na Universidade Harvard sobre os impactos do YouTube no Brasil. A garota estava com uma amiga, de biquíni, na piscina de casa. Elas fizeram um vídeo com brincadeiras e postaram no YouTube. Nada mais comum hoje em dia. A criança se animou porque o vídeo começou a “bombar”. Eis que, dias depois, atingiu 400 mil visualizações, o que deixou a sua mãe apavorada.

O motivo da audiência era criminoso. Segundo investigação de pesquisadores do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade, de Harvard, o sistema de recomendação automática começou a sugerir o vídeo ingênuo a usuários que buscavam por pré-púberes, ou seja, crianças que ainda não chegaram à puberdade, e por crianças seminuas. A brincadeira infantil na piscina virou diversão de pedófilos.

Celebridades da educação têm destaque no YouTube, assim como vídeos de crianças procurados por pedófilos - Dado Ruvic/Reuters

Nesse exemplo, evidentemente, havia uma intencionalidade perversa nas buscas, e muitos criminosos utilizavam os comentários para chamar a atenção de outros –neste ano, após a denúncia de casos como o dessa menina, o YouTube desabilitou os comentários em vídeos de crianças. O sistema de recomendações, no entanto, conforme detectaram os pesquisadores de Harvard, pode levar também uma navegação inocente feita por crianças e adolescentes a conteúdos inapropriados.

Nada disso é um problema novo, mas os riscos se aprofundaram com o aumento do consumo de internet na infância e na adolescência em razão da pandemia. O YouTube responde que a segurança é uma de suas prioridades. Menciona, entre outras iniciativas, o YouTube Kids, que faz a curadoria de vídeos infantis, além do lançamento, neste ano, das contas supervisionadas, com ferramentas para os pais controlarem o que os filhos postam e acessam. Reafirma que trabalha constantemente para remover conteúdo impróprio e lembra que a rede é liberada somente para maiores de 13 anos.

Todos sabemos, entretanto, que essa restrição é tranquilamente burlada pelos mais novos, até com a anuência dos pais em alguns casos, e que os mecanismos de controle são insuficientes. É preciso bradar por transparência em relação aos algoritmos e por mais e mais investimento em segurança, além de reforçar a supervisão online de crianças e adolescentes e conversar com eles sobre os riscos desse, digamos, “YouTube do mal”. Mas não deixando de reconhecer que há um outro lado, um “YouTube do bem”, por assim dizer, que também cresceu com pandemia.

Quer ter esperança nesse mundo de meu Deus? Só para começar, assista ao divertido vídeo em que o professor Noslen comemora a marca de 3 milhões de inscritos em seu canal. Ele atingiu esse número em 2020, em meio ao fechamento das escolas, dando aulas de língua portuguesa. Carismático, o paranaense rebola (literalmente, inclusive) para tornar compreensíveis as matérias mais complicadas. Atualmente, já ultrapassou 3,57 milhões de seguidores, tornando-se um dos recordistas do YouTube Edu.

Essa é a plataforma que surgiu em 2013 a partir de uma parceria da Fundação Lemann e do Google, que detém o YouTube, para selecionar conteúdos educativos espontaneamente postados por professores e mesmo por estudantes. Ao longo dos anos, daí surgiram verdadeiras celebridades da educação, os chamados edutubers.

Além do professor Noslen, destaca-se, por exemplo, Débora Aladim, que começou a fazer videoaulas para amigos, em 2013, aos 15 anos, e hoje, recém-formada em história, tem quase 3 milhões de seguidores. Ela, Noslen e a maioria dos edutubers começaram com vídeos caseiros e atualmente lideram negócios no ramo da educação, com palestras, cursos online etc. Esse universo, que já estava em expansão antes da pandemia, explodiu no confinamento. Entre março e novembro de 2020, os canais do YouTube Edu foram acessados por mais de 23 milhões de usuários únicos por mês, um crescimento de 25% em relação à média de 2019. A curadoria, antes restrita ao ensino médio, foi ampliada para conteúdos a partir do 6º ano do fundamental, e o YouTube lançou uma nova plataforma educativa, a Aprender, com temas da atualidade.

As plataformas educativas tornaram-se ouro na falta de aulas presenciais. Não são só os extrovertidos que têm espaço, diz Clarissa Orberg, gerente de parcerias para conteúdos de educação e família do YouTube Brasil. “Há tímidos, que só mostram as mãos ou compartilham a tela sem aparecer e conseguem sucesso porque descobrem um jeito autêntico de ensinar.” Clarissa conta que o YouTube Edu é uma iniciativa brasileira e que vem inspirando versões em outros países, como o Mi Aula, recém-lançado no México e na Argentina. Segundo um relatório divulgado neste mês, 92% dos professores inscritos na plataforma brasileira a utilizam para suas aulas.

Nesta semana, o YouTube Brasil anunciou a doação de R$ 2,5 milhões para um programa do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) contra a evasão escolar, em que profissionais da educação são treinados para ir às casas de estudantes que tenham abandonado as aulas e tentar convencê-los a retornar. O projeto também prevê a distribuição de chips de celular para aqueles que não têm acesso à internet.

São iniciativas bem-vindas, naturalmente, mas também estratégicas para o Google, na batalha para sobrepor a imagem de “YouTube do bem” à de “YouTube do mal”. É um debate que vale uma videoaula de edutuber celebridade, não? Alguém se habilita?

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