Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu Coronavírus enem

Novo normal: ricos na viagem de formatura; pobres sem escola e fora do vestibular

Números atestam as profundezas na qual crianças e jovens foram jogados pela negligência do Brasil com a educação

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O novo normal da educação brasileira está bem claro. Nas escolas dos ricos, com exceção da máscara e do álcool em gel, a rotina é próxima da pré-pandemia e, além das aulas com 100% dos alunos, foram retomados campeonatos esportivos, feiras de ciências, eventos culturais, festas e até viagens de formatura. Já os pobres mal retornaram às escolas, uma parte completará dois anos sem aula nenhuma, nem online, e, para os formandos, não haverá comemoração e, pior, nem vestibular.

Números e mais números atestam as profundezas na qual vidas de crianças e jovens foram jogadas pela pandemia e pela negligência do Brasil com a educação. Em três dos principais vestibulares do país, o Enem, a Fuvest e a Unicamp, caiu o número de candidatos de escolas públicas e o de negros e pardos, como mostrou o UOL.

Sala de aula na escola estadual Eliza Rachel Macedo de Souza, na zona leste da capital paulista - Zanone Fraissat - 18.out.2021/Folhapress

No Enem, que seleciona estudantes para as universidades federais, a redução do número de inscritos neste ano foi em torno de 40%, em comparação com 2020. A queda de candidatos de escolas públicas foi de 31%, e a de negros, de 52%. Já o número de inscrições de alunos do ensino privado subiu 39%.

Na Unicamp, da Universidade Estadual de Campinas, caiu em 18,5% o número total de inscritos, sendo que, das escolas públicas, a redução foi de 27%, e a de pardos e negros, de 25%. A Fuvest, da USP, com redução total de 16% das inscrições, teve 25% de queda de candidatos do ensino público e 33% de negros, pardos e indígenas.

Além dessas porcentagens, coloquemos outra na equação deprimente: no Brasil, 87% dos alunos do ensino médio estudam em escolas públicas. E esses três grandes vestibulares em que eles deixaram de se inscrever são justamente os que dão vagas para as universidade gratuitas, as federais e estaduais, em geral as melhores do país.

Esse é o resultado direto da forma inconsequente com que as escolas permaneceram fechadas no Brasil por um tempo tão prolongado –o país é um dos recordistas mundiais nesse quesito. Quando tudo, absolutamente tudo, funciona normalmente no por aqui, até futebol com torcida, há ainda escolas fechadas em alguma regiões.

Um site sobre o ensino remoto do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) mostra que há estudantes que continuam sem aula presencial, com uma previsão para retornar somente em novembro –o que, na prática, tende a adiar uma retomada mais consistente apenas para 2022. É o caso do Acre, em que algumas turmas começaram a retomar apenas neste mês e outras deverão voltar em 4 de novembro.

Em um material oficial do governo, a Secretaria de Educação informa que a volta será gradual porque "ainda não temos todas as escolas em condições de retorno". Um ano e meio não foi suficiente para criar as condições de retorno.

Não é uma exceção na realidade brasileira. A maior parte dos estados só retomou as atividades presenciais em agosto deste ano. Lembremos que, mesmo em São Paulo, que liderou a reabertura das escolas no país, a retomada na educação, em 2020, veio depois da de bares, cinemas, shoppings etc. E, neste mês, com a volta da obrigatoriedade da presença de alunos, somente 24% das escolas estaduais têm condições de manter o distanciamento de 1 metro e, por isso, segue o rodízio das turmas. A necessidade de mantê-los com essa distância cairá somente no dia 3 de novembro. Na capital paulista, a mais rica do país, há escolas municipais fechadas por falta de estrutura para cumprir os protocolos contra a contaminação da Covid-19.

Na volta presencial, os prejuízos do fechamento vêm à tona e assustam os educadores. Pesquisa do Instituto Península que ouviu 2.500 professores, coordenadores e diretores escolares no país, na primeira quinzena de setembro, aponta que 60% acreditam que o aprendizado dos alunos na retomada presencial será abaixo do esperado, e 25%, muito abaixo. Ainda que 79% considerem que os estudantes estejam felizes em retornar, 69% dizem que eles estão se sentindo despreparados em relação ao aprendizado, e 44%, com dificuldades de relacionamento com professores e colegas. Diante disso, os próprios docentes estão pouco motivados (37%) ou nada motivados (14%), e mais da metade (57%) gostaria de receber apoio psicológico.

Todas essas são também questões para os 15% das escolas particulares da educação básica no Brasil. Mas, naturalmente, com uma gravidade menor, considerando que a retomada se deu mais rapidamente e em melhores condições do que nas públicas.

No terror do novo normal, enquanto nesta semana acontecem as Not Scary Halloween Parties (festas de Halloween não assustadoras) para alunos que podem pagar pelo ensino, os que não podem têm que encarar uma realidade bem mais assustadora.

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