Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Anitta pediu, e adolescentes tiraram o título; eles vão saber votar?

Jovens ficaram fora da escola por longos meses; nesse tempo, tinham de estar aprendendo o que é democracia

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Na próxima quarta-feira, 4 de maio, encerra-se o prazo para tirar o título de eleitor, e os jovens de 16 e 17 anos, cujo voto é facultativo, têm sido alvo de campanhas para que providenciem o documento. Zeca Pagodinho, Anitta, Whindersson Nunes, influenciador digital de esquerda e de direita, todo mundo quer convencê-los de que vale a pena votar. A cruzada vem surtindo efeito, e o número de adolescentes inscritos no Tribunal Superior Eleitoral, que no início do ano era o mais baixo da história, sobe de forma acelerada. Muito bem, mas a pergunta é: no meio de tanta turbulência política, como preparar os novos eleitores para encarar a urna no dia 2 de outubro?

Há quem possa considerar essa uma questão banal, afinal voto facultativo para jovens dessa idade não é novidade no Brasil, existe desde a Constituição de 1988; logo, desde então há o debate sobre o quão preparados ou não estão esses eleitores. Mas as eleições deste ano carregam uma série de aspectos "Nunca antes neste país" que interferem no voto dos adolescentes. Portanto, "Tem que ver isso aí, tá ok?"

Anitta durante sua apresentação no Coachella
Anitta durante sua apresentação no festival Coachella - Divulgação - 16.abr.2022/Coachella

O primeiro ponto "Nunca antes neste país" é justamente o nível inédito do desinteresse dos brasileiros de 16 e 17 anos pela política. Até março, quando as campanhas do TSE e dos famosos começaram, pouco mais de 1 milhão havia tirado o título, apenas 17,1% dos que estão nessa faixa etária. É uma queda de 31% em relação às eleições de 2018 e de 60%, às de 2004. Analistas apontam uma série de hipóteses para a falta de interesse, que passam pela própria crise de representatividade da política partidária, assim como pelo crescente tensionamento ideológico do Brasil.

Votar para quê, se não se acredita nos partidos e se qualquer conversa sobre política acaba em treta? Esse fenômeno se intensificou nos últimos anos, exatamente quando o adolescente que hoje tem 16 ou 17 anos passou a ter mais contato com o assunto.

Algo absolutamente sem precedentes das próximas eleições é o fato de que esses jovens ficaram fora da escola por longos meses, alguns por quase dois anos. E, nesse tempo, além de matemática, português, química etc, tinham de estar aprendendo o que é democracia e qual é a importância do voto. Está aí mais uma consequência nefasta do fechamento irresponsavelmente prolongado das escolas na pandemia.

Na melhor das hipóteses, esse adolescente está finalmente de volta à sala de aula, tentando se encontrar em um cenário de problemas socioemocionais e desnível de aprendizado. Na pior delas, entrou para a estatística da explosão de evasão escolar gerada pela suspensão das aulas presenciais e pelo agravamento da crise econômica. E, desgraça pouca é bobagem, a geração pandemia estreia no processo eleitoral em meio à guerra ultrapolarizada dos candidatos e sob forte bombardeio de fake news.

Dito isso, não basta fazer com que o jovem tire o título, é preciso que ele esteja apto a cruzar um árduo caminho até o voto, com habilidade para compreender o processo eleitoral, fugir das fake news, buscar informações confiáveis e escolher os candidatos.

São apenas cinco meses até o primeiro turno, então, "tem que ver isso aí" urgentemente. Com um papel fundamental nesse processo, as escolas estão mergulhadas nas dificuldades do pós-pandemia e pressionadas pelo movimento Escola Sem Partido, apoiado pelo governo federal, que defende a censura aos professores.

"Entendo que seja complicado atualmente para as escolas abordar temas políticos, mas elas precisam achar modos de fazê-lo", disse o professor brasileiro associado de um centro de estudos de mídia da Universidade de Harvard, David Nemer, em um seminário, em abril, do grupo Jornalismo, Direito e Liberdade, da USP.

Um dos caminhos a serem percorridos pelas escolas é o da educação midiática, ou seja, elas devem ajudar o aluno a desenvolver uma relação crítica e saudável com a mídia e seu emaranhado de informação e desinformação. Para isso, os próprios educadores precisam ser sensibilizados e treinados. As eleições alavancaram projetos nesse sentido. Entre eles, está o #FakeToFora, do Instituto Palavra Aberta, que incentiva o jovem a votar, alerta para o perigo das fake news e fornece materiais para que professores debatam em aulas temas como pesquisas eleitorais e urna eletrônica.

Há ainda iniciativas de universidades, como a Escola Mídia, da ESPM com apoio do Consulado dos EUA, que oferece curso gratuito para educadores da rede pública. Entre os assuntos estão, por exemplo, como inserir a educação midiática em todas as disciplinas, a história da democracia e planos de aulas para análise crítica da mídia.

Mostrar como identificar fake news é inadiável, mas não basta para que os adolescentes possam encarar o processo eleitoral e toda a tensão que ele vai gerar nos meios digitais. "A educação midiática não resolve o ódio, não ensina, por exemplo, que racismo é errado, é crime. Isso envolve trabalhar com conceitos fundamentais, como a democracia, a liberdade de expressão e seus limites", lembra David Nemer.

Além dos professores, também os influenciadores digitais são considerados essenciais nessa missão, e há movimentos para conscientizá-los disso, como um workshop sobre eleições do projeto Redes Cordiais, que já treinou 230 influencers.

Se houver um esforço amplo e ele for bem sucedido, talvez os eleitores adolescentes cheguem mais preparados às urnas. "E daí?", pode-se pensar, afinal, eles são uma fatia mínima do eleitorado, não chegariam a 5% mesmo que todos tirassem o título. Ainda restam todos os adultos que não fazem ideia do que é democracia, da importância do voto e que compartilham fake news, inconscientemente, como se fossem verdades.

Sobre isso, três ponderações: 1ª) Ainda que pequena, qualquer porcentagem define uma eleição; 2ª) Um adolescente pode ser estratégico para a conscientização de adultos de sua família e comunidade; 3ª) Ainda que seja difícil crer em mudanças tão imediatas, investir no jovem eleitor ao menos alimenta a esperança no futuro.

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