Jornalista, mestre em filosofia e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", entre outros. Escreve às quartas.
Cotas não desligam motor de desigualdade da USP
Eduardo Anizelli - 24.nov.2016/Folhapress | ||
Praça do Relógio da Universidade de São Paulo (USP) |
A Universidade de São Paulo (USP) é um motor de concentração de renda. Todos os meses, transfere cerca de R$ 390 milhões, pagos por quase todos os 44 milhões de paulistas, a 90 mil alunos, professores e funcionários da universidade.
Ou seja: 0,2% da população, uma pequena elite de servidores públicos e estudantes privilegiados, ficam com 4,5% de toda a arrecadação do Estado (ou 5% do ICMS). Do ponto de vista da movimentação financeira, a universidade pública e gratuita é um Bolsa Família ao contrário.
Por causa de transferências como essa (e principalmente a aposentadoria, ainda integral na maior parte dos casos, de professores, juízes e militares), a desigualdade no setor privado é menor no Brasil do que quando o Estado entra na conta com impostos e pagamentos.
A USP aprovou na semana passada cotas sociais e raciais. Em 2018, 37% das vagas deverão ser destinadas a alunos de escola pública —proporção que subirá para 50% em 2021. Dessas vagas, 37% ficarão com candidatos negros e pardos. A decisão é bem-intencionada, mas vai simplesmente mexer um pouco na aparência dos privilegiados. Do mesmo modo, 0,2% da população continuará vivendo às custas de 99,8% dos paulistas —boa parte deles, pobres e pardos.
A imensa maioria dos jovens pobres continuará fora da universidade —e financiando, ao pagar impostos sobre o consumo, os estudos de uma minoria abençoada. Teremos milhões de empregadas domésticas e pedreiros bancando as benesses de um pequeno grupo de filhos de empregadas domésticas e pedreiros. Vale lembrar que só um quarto dos brasileiros com mais de 25 anos completou o ensino médio.
Quem está preocupado com a concentração de renda precisa torcer para que essa montoeira de dinheiro se disperse. Um modo de fazer isso é aumentando a eficiência da universidade, para que menos dinheiro dos paulistas atenda mais estudantes.
Outra forma de desligar esse motor de desigualdade é gastando menos com o ensino superior e mais com o ensino básico. O Brasil gasta quatro vezes mais com um universitário do que com um estudante do Ensino Médio, enquanto na média dos países da OCDE o custo dos universitários é uma vez e meia mais alto.
Cobrar mensalidades também diminuiria a injustiça. Até os cotistas, que não podem pagar mensalidades enquanto estudam, poderiam se comprometer a bancar parte do custo alguns anos depois de formados, como no modelo de crédito educativo.
Mas muitos professores, funcionários e alunos, quase todos defensores das cotas, levantam cartazes e organizam protestos quando se fala em cobrança de mensalidade, otimização ou corte de gastos. Comportam-se, assim, como um grupo de privilegiados contrários à redução da desigualdade no Brasil.
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