Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Leandro Narloch
Descrição de chapéu Copa do Mundo Eleições 2018

Babaquice é crime?

Sem liberdade de expressão, não saberíamos quem são os imbecis

Duas grosserias esquentaram as conversas esta semana. Em entrevista à Jovem Pan, Ciro Gomes chamou Fernando Holiday de capitãozinho do mato”. O vereador prometeu processá-lo por injúria racial.

Em Moscou, torcedores brasileiros fizeram uma russa dizer que tem aquilo rosa. A OAB de Pernambuco publicou uma nota de repúdio contra um advogado que aparece nas imagens. A Polícia Militar de Santa Catarina abriu processo administrativo contra um tenente que integra o coro.

Não tenho paciência para molecagens de turistas brasileiros e muito menos para a incontinência verbal de Ciro Gomes. Mas nos dois casos me parece que a reação está sendo desproporcional.

A piada dos turistas brasileiros na Rússia foi de mau gosto –e com isso eles próprios concordam. Mas não passa de uma piada ruim, uma molecagem que muita gente faz com estrangeiros. A graça está justamente no fato da pessoa não entender as coisas vergonhosas que fala.

Homens vestidos com camisa da seleção ao lado de mulher que tem o rosto não identificado
Frame de vídeo em que brasileiros insultam estrangeira - Reprodução

Ninguém é obrigado a gostar dessa babaquice, mas também não é preciso linchar os turistas. Teve gente dizendo que a atitude objetifica as mulheres, as reduz a um mero órgão sexual e até que incentiva estupros. Costumo concordar com o que minha amiga Mariliz Pereira Jorge diz; desta vez acho que ela exagera ao tentar criminalizar a imbecilidade dos brasileiros.

Objetificar o corpo não é crime e nem um ato exclusivo dos homens. Se um grupo de brasileiras gravasse um russo gritando “sou bem dotado, o meu tem 30 centímetros”, teríamos a mesma objetificação, a mesma piada. Só não teríamos a mesma indignação.

Um vídeo similar já existe, na verdade. Na Copa de 2006, turistas brasileiros pediram para um japonês gritar “peru pequeno” como se isso significasse “Zico é o melhor”. O vídeo está até hoje no YouTube. Mas não rendeu textões de celebridades, apedrejamento no Facebook ou notas de repúdio da OAB.

Também não consegui ver crime na declaração de Ciro Gomes.

É verdade que, ao chamar Holiday de capitão do mato, Ciro atribui uma característica coletiva a uma etnia. Ciro acredita que os negros devem ser de esquerda, pois só a esquerda defenderia causas negras, portanto negros de direita trairiam a própria identidade.

É como estranhar que um judeu seja favorável à Palestina. A partir da etnia, a pessoa pressupõe uma posição política –e se surpreende quando a previsão não se confirma. Há um componente racial, mas não é racismo.

O raciocínio de Ciro é tolo, é claro. Dilma Rousseff, Fidel Castro ou Hugo Chávez não melhoraram a vida dos negros que governaram, e duvido que o PSOL ou o PDT tenham a receita para a prosperidade dos negros ou dos brasileiros em geral.

Mas a característica que Ciro atribui aos negros (serem de esquerda) não é necessariamente negativa. Toda hora fazemos qualificações coletivas (“japoneses são tímidos”, “judeus são sionistas”, “curitibanos não falam com estranhos”) e tudo bem. Só as mais negativas justificam a ofensa.

É engraçado ver colegas que relativizaram a “coisa de preto” de William Waack agora chamando Ciro Gomes de racista. Eis um exemplo de como a avaliação de uma atitude depende pouco do ato em si e muito mais da posição política dos envolvidos.

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