Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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O ativista que sabota a própria causa

Tudo que negros, liberais e feministas não precisam é de malucos criando polêmicas imbecis

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Um tipo interessante de brasileiro é o ativista que sabota a própria causa. Ele integra tanto o movimento liberal quanto o movimento negro, prejudica o trabalho dos ciclistas, das feministas pró-aborto ou das conservadoras pró-armas.

Seu principal método de autossabotagem é a problematização de besteiras (ou, em bom português, o mimimi). Foi o que houve nas últimas semanas na polêmica ao redor da cantora Fabiana Cozza.

Mulata, parecida com Dona Ivone Lara e admiradora das músicas da sambista, Fabiana era a escolha natural para interpretar Dona Ivone num musical. Foi indicada pela própria família de Dona Ivone para o papel.

Mas alguns barulhentos da internet criticaram a escolha porque Fabiana não seria "negra o suficiente". Enxergaram uma tentativa de clarear a imagem de Dona Ivone Lara. O site Mundo Negro afirmou que era um desrespeito com a biografia da sambista escolher uma atriz menos negra do que ela. Fabiana não suportou a pressão e pediu para sair.

Fabiana Cozza se apoia em móvel em que estão um rádio antigo e um disco de Ivone Lara
A cantora Fabiana Cozza durante coquetel de abertura da exposicao "Ocupacao Dona Ivone Lara", no Itau Cultural - Greg Salibian - 16.mai.2015/Folhapress

Negros com bom-senso devem ter sentido tanto constrangimento nessa ocasião quanto liberais moderados ao verem seus colegas de ideologia tentarem proibir, no ano passado, exposições de arte com pornografia.

Ou quanto mulheres comuns quando assistem feministas problematizando a cor do Kinder Ovo para meninos e meninas e outras "bobagens triviais", como diz a ativista somali Ayaan Hirsi Ali, muçulmana que quando criança sofreu mutilação genital e foi impedida de estudar.

Há causas urgentes para negros, liberais e feministas defenderem. Tudo que esses grupos não precisam é de malucos criando polêmicas imbecis.

As pessoas tomam a parte pelo todo –mesmo que o ativista desvairado seja uma minoria, mancha a reputação de todos os seus colegas e banaliza reivindicações importantes. Diante de seus delírios, o cidadão médio tem ímpeto de se afastar o máximo possível.

Lembram-se do #MeToo? Por algumas semanas, o movimento fez o assédio sexual subir ao topo da agenda pública nos Estados Unidos. Os americanos se conscientizavam da necessidade de enfrentar essa questão –até que veio Grace (pseudônimo de uma fotógrafa de Nova York) e estragou tudo.

Grace acusou o ator e comediante Aziz Ansari de tê-la assediado sexualmente durante um encontro em Nova York. Parece que o ator foi mesmo desagradável na insistência em transar com a fotógrafa, mas não cometeu nenhum crime. Quando ficou claro que ela não queria sexo, eles se vestiram, assistiram um episódio de Seinfeld, depois ele pediu um Uber para ela voltar para casa.

Ninguém prejudicou tanto o #MeToo quanto Grace e sua acusação exagerada. A garota fez denúncias graves e tristes do movimento parecerem paranoia de mulheres esquisitas.

Outro método de autossabotagem é a estridência. O ativista que sabota a própria causa é tão intolerante no debate e proselitista que acaba provocando o efeito contrário. Em vez de contagiar, imuniza as pessoas contra seu discurso.

É o caso do blogueiro de esquerda para quem "ostentação deveria ser crime no código penal" ou do blogueiro liberal que manda "se mudar para Caracas" quem expressa a menor discordância. E do ciclista obcecado em dar sermão no pobre motorista de transportadora que, por falta de opção, estaciona por alguns segundos na ciclovia.

A estridência desses ativistas acaba com toda a vontade de concordar com eles.

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