Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Distorções cognitivas e seus monstros imaginários

Padrões de pensamento nos levam a enxergar monstros em adversários ideológicos e a interpretar da pior forma possível o que eles dizem

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​No livro “The Coddling of American Mind”, os psicólogos Greg Lukianoff e Jonathan Haidt defendem que a onda de cancelamentos na imprensa e nas universidades americanas exibe as mesmas distorções de pensamento descritas pela terapia comportamental-cognitiva.

Eles citam cinco padrões relacionados à depressão: raciocínio emocional (“isso me deixou mal, portanto está errado”); catastrofismo (“se acontecer isso, se deixarmos aquilo, haverá uma catástrofe”); rotulação (“ela é falsa”, “ele é racista”); atribuição de culpa (“estou mal por culpa dela”), e generalização (exageram-se ou imaginam-se traços negativos em si próprio ou nos outros).

As distorções cognitivas nos levam a enxergar monstros em “adversários” ideológicos e a interpretar da pior forma o que eles dizem. É o contrário do que pede o Princípio da Caridade, convenção da filosofia segundo a qual ao debater deve-se considerar a melhor interpretação possível das palavras do outro.

Gravura mostra 16 pequenas ilustrações de bustos de mulheres negras adornadas com enfeites
"Negras escravas de diferentes nações", gravura de Jean-Baptiste Debret - Reprodução

Semana passada, tratei aqui na Folha do livro do antropólogo baiano Antonio Risério sobre as “sinhás pretas”, negras que venceram a escravidão, venceram a miséria e terminaram a vida como ricas proprietárias.

Disse que o fato dessas mulheres terem possuído escravos sugere que a escravidão é um mal que foi produto de sua época. Pessoas do século 18 pensavam como pessoas do século 18, e não conforme valores de 2021.

Ecoando o historiador Manolo Florentino, afirmei que é interessante, para os negros hoje, conhecer também histórias de antepassados que foram em alguma medida protagonistas de seu destino.

O colunista Thiago Amparo não gostou e publicou uma resposta que se encaixa, com precisão impressionante, na descrição de Haidt e Lukianoff. Alguns trechos:

“Eu senti ânsia de vômito, literalmente; um misto de repugnância e desânimo (...) É peculiar da branquitude discutir o horror tomando chá (...) para suavizar a brutalidade da escravidão (...). Em algum momento a corda do pluralismo esticou a tal ponto que nos enforcará".

Temos aí raciocínio emocional, generalização, catastrofismo e rotulação (pois ele ainda acusou o texto de racismo). Como disse Demétrio Magnoli, a coluna de Amparo não discute meus argumentos ou os de Risério: só esbraveja e descreve reações fisiológicas.

Mocotós pelados, bolos da Bahia e polvilhos de forma
"Mocotós pelados, bolos da Bahia e polvilhos de forma", gravura de Jean-Baptiste Debret - Reprodução

Amparo soou o alarme para novas críticas. Outro colunista disse que o título do meu artigo equivale a “relativizar o Holocausto”; um blogueiro citou “supremacia branca”; para uma historiadora, eu reproduzi “teorias negacionistas que sustentam exclusões e genocídio”. Caramba!

Impressionado com a reação, reli o texto e conversei com amigos. Como um comunicador, é meu papel prever reações desse tipo.

Entendi que ativei um gatilho emocional: os críticos temem que a coluna deu a entender que “a escravidão não era cruel”, “só não enriquecia quem não queria”, “a ordem social da escravidão era justa” ou alguma aberração similar.

A preocupação em relação a essas ideias é bastante justa, mas vejam: meu texto não reproduz nenhuma delas.

Obviamente passa muito longe de defender qualquer sujeição ou inferioridade de etnias, o que constitui o cerne do racismo. Pelo contrário, o objetivo era falar sobre mulheres que conseguiram escapar de um dos sistemas mais cruéis da história.

Quando afirmei que as "sinhás pretas" contrariam quem acredita que o capitalismo é racista, me referia ao... capitalismo, oras, ao mercado vivido por pessoas livres. E não à escravidão —que, por óbvio, é essencialmente discriminatória, antiliberal e antimeritocrática.

As referências aqui são os economistas negros Thomas Sowell e Walter Williams, para quem as leis injustas acorrentam (como as que consideravam crime fugir do cativeiro), enquanto o livre mercado (uma reunião de pessoas interessadas em trocas voluntárias) é uma força antidiscriminação.

Os colegas devem discordar —e peço que o façam evitando distorções cognitivas. Por aqui, serei mais preciso, mesmo que soe redundante ou óbvio, para evitar injustas acusações.

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